JULIETA é bom de ver, mas não de gostar. É bom de ver porque Almodóvar dirige da maneira sedosa como faz desde “Carne Trêmula” – uma câmera elegante ao som de música envolvente e diálogos em eshshpanhol sussurrado. É bom de ver porque as atrizes estão sempre muito bem vestidas e maquiadas, e dão um jeito de ficar sempre diante de um quadro, uma parede pintada ou um fundo decorado, de maneira a quase sugerir um editorial de moda. É bom de ver porque a gente reconhece signos que nos reconectam afetivamente com o universo alomodovariano: dramas da maternidade, romances assombrados pela culpa, a expectativa de um “volver” redentor, mulheres sofredoras (aqui temos três com doenças terminais!). É bom de ver porque, afinal, é Almodóvar.
Mas não é bom de gostar porque há tempos Almodóvar perdeu o seu dom maior, que era o de alcançar o patético dos personagens dramáticos e colocar o espectador equidistante entre a comédia e a catástrofe. De uns tempos para cá, ele só faz as coisas separadamente: ou o escracho, como no insuportável “Os Amantes Passageiros”, ou as pompas melodramáticas, como em JULIETA. A história da mãe sufocada por sucessivas perdas e culpas, que tenta superar o afastamento inexplicável da filha por 12 longos anos, poderia render mais um belo Almodóvar se não soasse apenas carrancuda e choraminguenta. JULIETA não é bom de gostar porque as coisas vão ficando incontornavelmente bregas, das referências ao mar como símbolo de aventura e descoberta até os acidentes que mudam o destino dos personagens. Pense numa matrioska russa onde cada bonequinha retirada é mais uma imagem de sofrimento. Não é bom de gostar, mas, repito, é bom de ver.
Janis Joplin tinha uma metáfora para sua própria vida: a mula que seguia sempre em frente tentando inutilmente alcançar a cenoura pendurada diante de seu rosto. A mula era ela, e a cenoura eram o amor, a companhia dos amigos, a música, as drogas, a experiência plena da vida, o sucesso. A bem da verdade, ela alcançou tudo isso, mas a um preço alto demais. O documentário JANIS – LITTLE GIRL BLUE desenha o perfil de uma sofredora, vítima de bullying na adolescência texana e do descaso dos amantes na idade adulta. É o tipo de cinebiografia marcada pelo fatalismo de uma personagem que viveu infeliz e morreu jovem. O hedonismo e a libido bissexual de Janis, assim como a idolatria de que foi objeto, ficam em segundo plano.
A documentarista Amy J. Berg (“Deliver us from Evil”) é especialista em filmes investigativos sobre abusos jurídicos, religiosos e sexuais. Janis talvez seja vista, assim, como um caso de autoabuso por drogas, álcool e autodestruição. O filme, produzido para a série de TV American Masters, segue o figurino convencional de depoimentos, filmes caseiros, entrevistas de TV, trechos de shows e cartas de Janis a sua família, lidas pela cantora Cat Power, também de vida desregrada e canções confessionais. Entre as passagens mais curiosas estão os ensaios de “Summertime” filmados por D. A. Pennebaker e as histórias da estada de Janis no Brasil em 1970 (na foto, ela na Pedra do Sapo, no Joá). Apesar do valor altamente informativo e da imagem sempre envolvente e intrigante da estrela, não há como negar que o filme se alonga e se torna um pouco repetitivo. Um espelho no qual Janis Joplin não gostaria de se ver.