Sem ouvir alguma gravação original ou pesquisar suas fotos, é difícil acreditar que Meryl Streep não esteja fazendo uma caricatura de Florence Foster Jenkins em FLORENCE: QUEM É ESSA MULHER?. Por massacrar o canto lírico com sua voz esganiçada, exibir gestual deselegante e demonstrar total ausência de percepção autocrítica, a socialite americana transformou-se num caso mitológico de deboche na sociedade nova-iorquina da primeira metade do século passado. Com base em roteiro do jornalista (e ex-sandinista!) Nicholas Martin, o diretor Stephen Frears mergulhou fundo no aspecto exótico de Florence, coadjuvada pelo irresistível alívio cômico do ator (e bom pianista!) Simon Helberg. É uma delícia ver Meryl contracenar com Hugh Grant como o casal platônico. Ele a protegia do ridículo e das críticas devastadoras, mantendo-a num mundo de ilusão só admissível como fruto de uma patologia, talvez causada pela sífilis. FLORENCE não quer investigar o fundo dessa história, mas apenas surfar no potencial humorístico das situações e tirar da cartola uma história de amor que se sobressai ao concerto de mentiras.
A mesma personagem inspira MARGUERITE, de Xavier Giannoli (direção e roteiro), que transporta a ação para a França pós-I Guerra. Marguerite é tão patética quanto Florence na sua ingenuidade, mas guarda muitas diferenças. A solidão é maior, por exemplo, pois ela se vê cercada de aproveitadores e um marido que na maior parte do tempo a despreza. Enquanto Meryl Streep empenha seu talento mimético na exteriorização dos traços de Florence, a não menos excepcional Catherine Frot investe na interiorização do caráter de Marguerite. Daí resulta uma mulher mais humanizada, capaz de nos tocar – e não apenas nos fazer rir – com sua paixão pelo inalcançável. Em lugar do pianista, temos um professor de canto igualmente humorístico. Já o papel do marido devotado é transferido, não sem grande dose de ambiguidade, para um mordomo que parece espelhar-se no personagem de Erich Von Stroheim em “Crepúsculo dos Deuses”.
Ambos são filmes interessantes e extremamente bem realizados. No entanto, se FLORENCE sofre um pouco pelo peso da fidelidade à superfície da história real, MARGUERITE voa um pouco mais alto por apostar na criatividade da imaginação e por tocar mais fundo no caráter trágico da “pior cantora de ópera do mundo”.
Oi Carlinhos,
Eu nunca tinha ouvido falar de Florence Foster Jenkins e em uma semana tive uma dupla versão da inacreditável personagem. Talvez seja masoquismo, mas não satisfeita com o que meus olhos ‘ouviram’, descobri o documentário A world of her own, de 2008, direção de Donald Collup. O doc é extremamente didático (como a sua inspiradora, carece de ritmo e afinação), mas dá pistas interessantes sobre a história e personalidade de Florence e parceiros, e foi certamente a base do trabalho de Frears. Pelo que já ‘ouvi’,
a verdadeira Florence estava bem mais para Meryl do que para Catherine. Detalhe: ela tinha 76 anos – sim 76!!! quando se apresentou no Carnegie Hall. Dá para imaginar?
Eu também não conhecia a personagem. Mas esses dois filmes já me satisfizeram. Vou deixar o doc para mais tarde, depois que meus ouvidos descansarem de tanta desafinação.