Desde que nasceu em 1626, Cristina, futura rainha da Suécia, espalhou dúvidas sobre sua sexualidade. A rigor, ninguém garante que ela tenha sido biologicamente homem ou mulher. Criada como menino na corte, assumiu a coroa aos 6 anos de idade e renunciou aos 28. Gostava de vestir-se como rapaz, cavalgava, falava palavrões como qualquer cortesão e desprezava hábitos tipicamente femininos. A conterrânea Greta Garbo a retratou hollywoodianamente em “Rainha Cristina” (1933). Há dois anos foi a vez da novata Malin Buska fazê-lo em A JOVEM RAINHA, de Mika Kaurismäki, em cartaz no Rio.
É interessante colocar essas duas Cristinas lado a lado. A de Garbo, dirigida por Rouben Mamoulian e garbosamente fotografada por William Daniels, trata de normatizar a personagem através de uma progressiva feminização. No início do filme, Cristina é facilmente confundida com um rapaz, o que gera sequências de comédia e romance. Mas depois que se apaixona pelo fictício embaixador espanhol Antonio (John Gilbert, namorado real de Greta), ela troca as calças compridas pelos vestidões, o olhar de desafio pelas expressões de enlevo e os deveres de estado pelos arroubos do amor. O descompromisso com a História é tal que Cristina parece abdicar do trono não porque se recusava a casar-se e se convertera ao Cristianismo, mas para seguir o amante rumo à Espanha.
A JOVEM RAINHA, cujo título original “The Girl King” é provocativo, pretende ser mais fiel ao símbolo de lesbianismo e crossdressing em que Cristina se transformou no século XX. Enquanto no filme de 1933 a Condessa Ebba só tem duas rápidas aparições, numa das quais troca uma inocente bitoca com a rainha, no de Mika Kaurismäki o romance entre a soberana e sua “companheira de cama” (supostamente para aquecer as cobertas antes de a rainha deitar-se) assume o lugar central que de fato teve na vida de Cristina. Malin Buska e a beldade Sarah Gadon protagonizam altos anseios eróticos que culminam em beijos apaixonados e numa cena de sexo.
No entanto, se A JOVEM RAINHA tende a ser visto como um filme mais ousado e fiel aos fatos, contraditoriamente parece menos contemporâneo do que “Rainha Cristina”. Kaurismäki persegue um modelo convencional de filme de época, às vezes com jeitão de telefilme. É estranhamente falado em inglês para um filme sueco-finlandês atual sobre tema tão nacional. Mamoulian, por sua vez, tratou o assunto com bastante modernidade e descontração para o início do cinema falado. Greta Garbo atua numa chave de mulher dos anos 1930, enquanto Malin Buska procura um tom “antigo” e artificialmente empostado.
Numa coisa, porém, os dois filmes são fiéis à fama da rainha. Ela está no centro de grandes dualidades eternas: o masculino e o feminino, o Cristianismo e o Protestantismo, o interesse artístico-intelectual e os apelos do poder e da glória.