Num minúsculo apartamento perto de Varsóvia, uma menina de 14 anos se esforça para manter sua família unida: o pai desempregado e alcoólatra, o irmão menor autista e a mãe ausente. Os ingredientes são típicos de um melodrama sobre família disfuncional, mas é a realidade que dita o roteiro.
A jovem diretora iniciante Anna Zamecka, cria da Escola e Estúdios Wajda (fundados por Andrzej Wajda em 2001), descobriu esses personagens e aguardou o melhor momento para filmá-los. Enquanto o menino Nikodem preparava-se para sua Primeira Comunhão, Anna instalou-se com uma câmera o mais próximo possível de cada um. O material foi editado por Agnieszka Glinska, prestigiada montadora de filmes de ficção, em busca de uma narrativa que fosse ao mesmo tempo fiel ao desenrolar dos fatos e próxima de um tratamento ficcional.
“A realidade pode tornar-se ficção”, diz Nikodem em certo momento, mostrando que sua inteligência e bom-humor especiais se deixavam contagiar pela filmagem. Mas isso é uma exceção sutil, já que a proposta de uma câmera “invisível” foi compartilhada por todos. Daí a eficiência do filme e, ao mesmo tempo, a impressão de voyeurismo que por vezes me incomodou um pouco. Apesar de toda a discrição e cuidado, é inevitável que o filme exponha cruamente uma família problemática.
Ola, a garota, atua na casa como uma adulta precoce sem deixar de ser, no fundo, criança. Ela precisa mentir, renunciar a coisas da sua idade e trabalhar arduamente para cuidar do irmão, vigiar os hábitos do pai e bater-se para que a mãe volte ao lar. A Primeira Comunhão de Nikodem dá margem tanto a cenas cômicas como a um contato desconcertante dos filhos com uma mãe à deriva. Além disso, as aulas de Catecismo depõem sobre o papel da Igreja Católica na conformação social do povo polonês. Em sua subversão meio inocente, meio esperta, Nikodem coloca esses princípios em xeque.
Comunhão partilha um cotidiano difícil e às vezes constrangedor. Sua limitação é ser apenas uma fatia bruta de vida, sem muito eco fora dali.
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