O cineasta-poeta e o pianista-maestro

Sobre O HOMEM QUE MATOU JOHN WAYNE e JOÃO, O MAESTRO

Tomemos Ruy Guerra como um poeta – o que ele é em imagens, poemas e letras de música.

O HOMEM QUE MATOU JOHN WAYNE foi realizado por Diogo Oliveira e Bruno Laet, dois jovens admiradores (um deles, genro) de Ruy Guerra. Embora fale diretamente para a câmera, o poeta não aparece pronto para ser filmado. Diogo e Bruno se dispõem a semear as marcas da poética guerreana através de falas, mas também de sequências deslumbrantes de seus filmes e performances de um alter-ego (o ator Julio Adrião) interagindo com projeções e signos da obra de Ruy. Gente como Michel Ciment, Chico Buarque e Werner Herzog comentam seu trabalho, mas o foco principal está na formatação de um perfil artístico através da própria arte.

Para plantar o poeta Ruy Guerra, o filme esparge o fertilizante da ousadia (“É melhor ter coragem que talento”) e se recusa a mimetizar as condutas habituais do documentário de elogio. Há, sem dúvida, uma reverência diante da imagem do cineasta-poeta, visto em diversas tomadas de caráter solenizante. Mas a ênfase na palavra cortante, nas imagens deformadas e na potência política da arte dá conta, mais que tudo, da personalidade de Ruy. O fato é que, depois de vermos O HOMEM QUE MATOU JOHN WAYNE, saímos mais convictos do grande poeta que ele é.



João Carlos Martins desmentiu a noção de que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Em duas ocasiões o grande pianista brasileiro sofreu traumatismos que afetaram gravemente sua capacidade de tocar. JOÃO, O MAESTRO podia ser mais uma narrativa de superação, mas escapou razoavelmente à fórmula ao condensar os muitos infortúnios físicos de João e privilegiar outros aspectos de sua biografia. A vocação herdada do (ou imposta pelo) pai, a timidez sexual enfim vencida num bordel uruguaio (na verdade, foi na Colômbia), a obsessão pelas teclas que destruiu seu casamento, o alcoolismo e a mudança de temperamento após passar cerca de dez anos como empresário procuram fornecer um retrato mais amplo do artista.

Não faltam alguns vícios comuns a projetos brasileiros do gênero, como o didatismo na passagem de informações, o excesso de solenidade nas cenas da formação do jovem pianista e a caretice dos grupos familiares representada de maneira sempre esquemática. A direção de arte deixa tudo tão arrumadinho (cenários, figurinos, cabelos) que quase não resta espaço para introduzir o humano. Certas alterações no temperamento do personagem soam bruscas, sem a gradação plausível.

A contrapartida vem na forma de uma direção ágil de Mauro Lima, com destaque para a excelente simulação das performances dos atores Rodrigo Pandolfo e Alexandre Nero ao som das gravações originais de João. Musicalmente, o filme é um primor, assim como na produção suntuosa dos concertos e no uso de locações nobres.

O que não deu para evitar foi o mega-merchadising da Fiesp, que patrocinou a orquestra regida por João e ajudou a viabilizar o orçamento do filme, de 9 milhões de reais. O encontro emocionado do industrial com o músico é uma cena das mais constrangedoras. Foi o preço a pagar por um filme que procura honrar seu personagem da melhor forma possível. Ainda que para isso omita o processo judicial que o acusou de, como empresário e político, arrecadar irregularmente recursos para campanhas do amigo Paulo Maluf.

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