A vida pouco doce do cinema italiano

NOITE MÁGICA

A Itália guarda melhores recordações do ano de 1990 pelo cinema do que pelo futebol. Os estúdios de Cinecittà viram nascer, por exemplo, As Portas da Justiça, de Gianni Amelio, Garotos de Rua, de Marco Risi, Estamos Todos Bem, de Giuseppe Tornatore, A Viagem do Capitão Tornado, de Ettore Scola, e A Voz da Lua, de Fellini. A recriação de um estúdio desse último, com sósia de Fellini e tudo, aparece em NOITE MÁGICA, de Paolo Virzi.

O título original (Notti Magiche, no plural) é o mesmo de um documentário italiano sobre a Copa do Mundo de 1990, jogada na Itália. A ação do filme de Virzi se desdobra em flashbacks a partir do triste dia em que a Argentina eliminou os anfitriões na semifinal. No momento decisivo do jogo, um carro despenca nas águas do Tibre. Lá dentro estava o corpo de um veterano produtor de cinema, interpretado por um ator que não devia morrer nunca: Giancarlo Giannini, que ao envelhecer ganhou traços do nosso Costinha.

Prontamente são recolhidos como suspeitos uma prostituta e três jovens roteiristas que haviam jantado com ele um pouco antes. As tais noites mágicas são o período que os três passaram juntos, finalistas de um prêmio para jovens roteiristas. Cada qual com seu perfil bem estereotipado – o siciliano instruído e tímido, o toscano extrovertido em excesso e a romana fóbica e romântica –, eles circulam entre produtores, diretores e atores de diferentes gerações, alternando ilusões e decepções. É o cinema italiano fazendo aquilo que costuma fazer bem: voltar-se sobre si mesmo.

Aqui, porém, estamos tão distantes de obras-primas como Oito e Meio e Cinema Paradiso quanto Milão está de Palermo. NOITES MÁGICAS aposta todas as suas fichas numa agitação frenética de falas velozes e mudanças constantes de cenários, sem nunca conferir consistência a qualquer situação ou personagem. Há o produtor que quer escalar Mickey Rourke e sua companheira fogosa no elenco do filme, há o ator ítalo-francês predador sexual e a diva de ontem que ainda desperta tesão (Ornella Muti, quase irreconhecível). Em meio a tipologia tão enfática, o humor não encontra material para florescer. Entre as poucas tiradas realmente divertidas, destaca-se uma referência indireta à maestria de Antonioni com o tema da incomunicabilidade.

O espectador que não tenha uma maior intimidade com a Velha Guarda do cinema italiano terá reduzido o eventual prazer de identificar as muitas alusões disfarçadas a mestres como Mario Monicelli, Lina Wertmüller e Marco Ferreri. O afresco montado por Paolo Virzi pretende ser, ao mesmo tempo, uma homenagem ao início de sua carreira e uma crônica da bagunça amorosa que se cristalizou como imagem dos bastidores do cinema de Roma. Tem a ambição necessária, mas faltam-lhe o senso de medida e a espirituosidade que caracterizam as boas sátiras.

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