Exibição gratuita: Plataforma Looke, 15/04 às 19h00
por Paulo Lima
O puritanismo contra o Dr. King
Símbolo maior da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos no período de 1955 a 1968, Martin Luther King teve sua vida privada investigada pelo FBI. As revelações vieram à tona depois que documentos foram recém-liberados pela justiça americana. O documentário MLK/FBI, do diretor Sam Pollard, investiga a gênese desses documentos, contextualizando a história do movimento pacifista contra o racismo na América.
Valendo-se de imagens excepcionais de arquivo, o filme reconstrói o percurso do Reverendo King desde o início do seu ativismo na Geórgia, uma trajetória que teve como momento culminante a Marcha sobre Washington em agosto de 1963. Foi a partir dessa grande manifestação que Martin Luther King entrou no radar do FBI e passou a ser apontado como “o negro mais perigoso da América”, nas palavras de J. Edgar Hoover, o famigerado diretor que esteve à frente do órgão policial por 48 anos.
Com sua imagem tradicionalmente associada ao combate ao crime e ao comunismo, o FBI foca sua vigilância nas ações de MLK e de seus aliados e apoiadores, por meio de escutas telefônicas. O estratagema acaba descobrindo suas relações extraconjugais. O propósito do FBI era humilhar e solapar a autoridade do investigado, considerado um “líder moral dos americanos”. As escutas se estendem a quartos de hotéis previamente preparados como arapucas prontas para flagrar Luther King em seus encontros com outras mulheres. Ele era então casado com Coretta King e pai de quatro filhos.
O FBI selecionou os momentos mais comprometedores das escutas e os reuniu numa fita do tipo “os melhores momentos” e, junto com uma carta, enviou o material ao comitê de Luther King. Com o gesto, havia a intenção de levá-lo a cometer suicídio.
Na correlação de forças políticas da época, o líder pacifista mantinha uma relação de proximidade com o governo de John Kennedy e posteriormente de Lyndon Johnson, que assinou a Lei dos Direitos Civis, em 1964, pondo um fim a situações de segregação nos estados sulistas. Com o acirramento da Guerra do Vietnã, MLK se manifesta contrariamente ao conflito e sai em defesa dos pobres americanos. Esse movimento atrai a desconfiança dos democratas, que autorizam o FBI a apertar o cerco em torno de Luther King.
O filme de Sam Pollard, com o seu título que se assemelha a um arquivo policial, se por lado apresenta uma suspeita em torno da vida pessoal do Dr. King, por outro escancara o papel do FBI e seu diretor J. Edgar Hoover, que era tido como “o guardião do modo de vida americano”. A parte ainda sob sigilo das investigações, incluindo as fitas com registros das “escapadelas” do líder pacifista, só serão reveladas em 2027.
Até lá, o caso estará sujeito a todo tipo de julgamento e opinião, entre eles a de Clarence Jones, advogado e redator dos discursos de Martin Luther King, cujo depoimento aparece ao final do documentário. Clarence coloca a questão nos seguintes termos, numa clara crítica ao puritanismo americano: “Ele teve relações sexuais com outras mulheres? Sim, teve. É uma questão factual. Isso faz dele um menor líder histórico pelos direitos civis? Não, não faz.”
Paulo Lima