“Amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves dentro do coração”, assim cantou Milton Nascimento. É por isso que guardo as lembranças de Victor Giudice no lado esquerdo do peito. Mais que um grande amigo, ele foi meu mentor intelectual, além de personagem decisivo na minha trajetória de vida.
Levo essa carga afetiva para o programa de que vou participar na próxima segunda-feira, 21/11, às 16 horas: o Estação Sabiá, conduzido pela querida Regina Zappa na TV 247. Vão participar também a professora de Literatura Tereza Virginia de Almeida e, numa canja artística, o ator Chico Diaz. A iniciativa partiu de sua viúva, Eneida Santos.
Tudo isso para lembrar os 25 anos da morte do Victor e os 50 anos da publicação do seu primeiro livro, Necrológio, onde se encontra o cultuado conto O Arquivo, inserido na lista dos melhores contos brasileiros do século XX e publicado em pelo menos oito países.
Victor produziu uma obra consistente e premiada na literatura de ficção, com os livros de contos Necrológio (1972), Os Banheiros (1979), Salvador Janta no Lamas (1989) e O Museu Darbot e outros Mistérios (Prêmio Jabuti de 1995), além dos romances Bolero (1985), O Sétimo Punhal (1996) e o inacabado Do Catálogo de Flores (publicado postumamente em 1999).
Em seus contos e romances, o escritor lidou magistralmente com tramas policiais e de mistério, fazendo incursões às margens do realismo mágico e da fabulação kafkiana. Fosse qual fosse o gênero, ele nunca abdicou de uma verve crítica em relação ao mundo burguês, às hipocrisias e disfunções da sociedade contemporânea, à opressão sobre os trabalhadores e ao autoritarismo que marca a história política brasileira.
Além de escritor, poeta não publicado e crítico literário, Victor Giudice foi durante toda a vida um músico amador. Amador no sentido empregado por Antonin Artaud: aquele que produz porque ama ou sente dor. Um apaixonado conhecedor do assunto, ocupou o posto de crítico de música clássica do Jornal do Brasil e ministrou cursos sobre ópera e música sinfônica. Compôs também diversos sambas, canções e trilhas musicais para teatro. Sua peça Ária de Serviço foi encenada no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro com direção de Marco Antonio Braz e atuação de Bete Mendes.
Um panorama das atividades desse carioca inesquecível pode ser visto no site dedicado a ele. Mas no programa de segunda-feira vamos trocar a frieza do texto pelo calor dos testemunhos orais. Vamos trazer à cena um pouco do Victor Giudice em movimento e voz, assim como relembrar sua versatilidade.
Victor foi um multiartista que entrelaçava a ópera com o samba, a alta cultura com a paixão popular. Com as astúcias de um legítimo entertainer, que mistura lembrança e invenção de maneira indistinguível, ele enredou pela vida afora todos os que cruzaram seu caminho. Para minha sorte, eu fui um deles.
>> O programa Estação Sabiá é transmitido pelo canal Youtube do Brasil 247.
Aqui o link da live “A Arte Plural de Victor Giudice”:
Uma correção: a peça tocada por Victor ao piano é Beethoven, e não Debussy como eu falei mo programa.
Que merecida homenagem e em boa hora você presta ao nosso talentoso e inesquecível VICTOR GIUDICE, Carlinhos! Por coincidência, remexendo, estes dias em meus milhares de recortes de jornais, cadernos e antigos suplementos literários, armazenados em décadas de paciência e disciplina, publicações, infelizmente, hoje em extinção, deparei-me com uma singela crítica do VICTOR GIUDICE, publicada no Caderno IDEIAS, do Jornal do Brasil, de 18.03.1993, intitulada “Imortalidade melódica – Os caminhos de um compositor genial na Paris de Debussy, Proust e Picasso”. Nela, é possível avaliar a erudição e esfericidade da sua cultura, no caso, tratando da música do compositor e pianista francês Erik Satie (1896-1925), hoje universalmente consagrado, mas que teve, na “Belle Époque”, em Paris, cidade em que nasceu e sempre viveu, existência modesta e desprovida de recursos materiais mínimos, tendo, por exemplo, que se locomover a pé, de Honfleur, onde morava, até o distante quartier de Montmartre (local em que atuava e onde também residiu, mas sempre de forma precária) por longos anos, embora de seu círculo de amigos fizesse parte gente do porte de Jean Cocteau, Darius Milhaud, Claude Debussy, Ravel, Picasso, Picabia, Germaine Tailleferre, Suzanne Valladon, Francis Poulenc, Diaghilev e outras celebridades do período. Essa crítica de VICTOR GIUDICE é preciosa e foi o que me remeteu a adquirir, anos depois, em Paris, o delicioso livreto “ERIK SATIE- MÉMOIRES D’UN AMNÉSIQUE”, uma reunião contendo seus aforismos, reflexões sobre a música e seus praticantes, anotações variadas, etc., sempre evidenciando seu espírito revestido de mil formas engraçadas, humor, fina ironia e pequenos textos, dele, originalmente publicados em revistas de vanguarda. Sugerimos aos amigos seguidores deste Blog assistir ao documentário de René Clair “ENTR’ACTE”, de 1924, com o próprio ERIK SATIE, que aí vai, caso se interessarem pelo assunto. Forte abraço. https://www.youtube.com/watch?v=XmZI6M-E6GE