Há uma porção de observações interessantes e plausíveis sobre a psicologia de uma pré-adolescente em Stella, o bom filme de Sylvie Verheyde. Mas me atenho a comentar a representação da dinâmica escolar no ano de 1977. Os professores são tirânicos, os alunos reagem quase sempre com bom humor, e ninguém questiona frontalmente os valores ensinados na sala de aula.
É tudo tão diferente do que vemos em Entre os Muros da Escola, que retrata uma classe da mesma Paris, mas na realidade multiétnica e agressiva de 2007. A possível aproximação desses dois filmes, e mais ainda se contarmos o documentário Ser e Ter (2002) e o mais recuado Quando Tudo Começa, de Bertrand Tavernier (1999), chama atenção para a frequência com que o cinema francês aborda o tema da educação. Certamente em nenhum outro país a escola aparece tanto como instrumento de reflexão sobre a sociedade. Aliás, um clássico do gênero, igualmente francês, acaba de sair por aqui em DVD: Zero em Comportamento, a fantasia anárquica de Jean Vigo (1933).
No cinema brasileiro, se minha memória não me trai, isso é privilégio de pouquíssimos filmes. Não me lembro de outro recente além do doc Pro Dia Nascer Feliz, de João Jardim. A bem da verdade, Tropa de Elite passava de raspão pelo tema. É flagrante o contraste dessa lacuna com o peso da educação na gênese dos nossos grandes problemas.
Mas Stella não é exatamente um filme sobre ensino. É mais sobre a capacidade de uma menina de entender o mundo e a si mesma para além do que lhe transmitem pais e mestres.
“Cinema direto” – não distinguo mais muito bem a que se refere este termo. O velho alemão me roubou o conceito. Não o via usado há algum bom muito tempo. Lembrando de “Stella”… mas esta expresão não era usada para docs do tipo “Opinião Pública” do Jabor e alguns do Leon Hirzsman? Estou misturando com cinema-verdade do Jean Rouch? Chi! Deu pane no sistema!
Essa é a grande confusão, Gallego. Cinema direto (the american way) é documentário sem interferência, tipo mosca na parede. ´É desse jeito que “Stella” parece ter sido filmado. Cinema-verdade (à la française) é documentário de intervenção, tipo mosca na sopa.
Gostei muito de “Stella” e da Stella vivida pela jovem atriz (e todo o elenco). Parece que é autobiográfico da diretora e roteirista.
E me lembrou um documentário feito na Holanda pela Maria Augusta Ramos, “Desi”, que observava o cotidiano solitário de uma garota de família disfuncional. Aliás, “Stella” é filmado segundo o estilo do cinema direto, o praticado pela Guta nos seus docs.
Aqui tivemos, se bem me lembro, o “Aves sem ninho” do Raul Roulien, de 1939, com a Déa Selva fazendo professorinha reformista em internato feminino. Esse filme é dado como desaparecido mas nos anos 70 circulava cópia restaurada pela Funarte e o Bernardet até escreveu sobre ele, pois há um adendo final onde dona Darci Vargas (esposa do ditador Getúlio) aparece falando sobre a importância da alfabetização. E o “Rebelião em Vila Rica”, de 1957, dos irmãos Santos Pereira, que revive a inconfidência mineira no meio estudantil do Estado Novo (mas foi filmado na época juscelinista). Tem também o “Das tripas, coração” da Ana Carolina, de 1982. Mas são realmente poucos os filmes brasileiros sobre o assunto.
Isso é que é comentário luxuoso. Obrigado, João.