Sobre os dramas EM PEDAÇOS e WESTERN
O luto de uma mulher levado às últimas consequências. Este é o plot central de EM PEDAÇOS, o novo filme de Fatih Akin (Contra a Parede, Do Outro Lado), que venceu o Globo de Ouro de filme estrangeiro e deu a Diane Kruger um justificável prêmio de melhor atriz em Cannes. Com precisão milimétrica, Diane vive uma alemã casada com um ex-traficante turco que se reabilita depois de passar pela cadeia. Uma explosão terrorista no bairro turco de Hamburgo mata seu marido e o filho, deixando-a devastada. Sua suspeita de que os responsáveis foram neonazistas acaba se confirmando, e o caso vai a tribunal.
Muitos críticos estrangeiros apontaram esquematismo e maniqueísmo na forma como Akin pinta os preconceitos e a tipologia dos personagens. Esse não é um diretor que prime mesmo pela sutileza. Mas os seus temas talvez não requeiram mão leve e punhos de seda. O neonazismo está ativo na Alemanha e tem braços internacionais. A sociedade europeia talvez ainda hesite em tratá-lo como a ameaça que representa.
Por tratar-se da morte de um imigrante envolvido com o tráfico no passado e da dor de uma viúva que consome drogas, as vítimas tendem a ser encaradas como réus, como estamos cansados de ver por aí. Só podiam “estar metidos em alguma”… Katja passa pelos rituais e manipulações do tribunal – que ocupam boa parte da metragem – e acabará compreendendo que a justiça só virá de suas próprias mãos. Resta saber se ela se comportará como a justiceira catártica que uma plateia comum esperaria.
Nem tudo funciona a contento no mecanismo dramático detonado por Fatih Akin. As etapas do luto de Katja são marcadas com ênfase exacerbada. Os envolvidos com o crime e sua defesa carregam as máscaras da maldade no rosto, numa espécie de acusação determinista. Parte do módulo da vingança na Grécia tem ações pouco plausíveis. Ainda assim, EM PEDAÇOS é um filme forte e duro como deve ser.
WESTERN é uma coprodução entre Bulgária, Alemanha e Áustria. Sua trama (ou quase ausência de uma) é informada pelo histórico de relações entre esses três países, que foram aliados nas duas guerras mundiais. Daí várias referências de admiração e desconfiança no contato de um grupo de operários alemães com os moradores de um vilarejo búlgaro onde chegam para iniciar a construção de uma usina hidrelétrica.
O título do filme ressoa vagamente na figura do protagonista, o caladão Meinhard, que se afasta dos colegas para estabelecer relações de amizade e trabalho com os aldeões locais. Seu vínculo com um cavalo o caracteriza como um cavaleiro solitário na semântica do faroeste. A expectativa do duelo também ronda Meinhard com relação a diversos personagens, embora seja sucessivamente desfeita pela abstenção ou a conciliação.
Numa estranha simbiose, o clima de hostilidade convive com uma crescente fraternidade entre os alemães rudes e os búlgaros pacatos, refletindo talvez sentimentos nacionais arraigados. Isso se dá em frequentes diálogos bilíngues, nos quais o entendimento é alcançado por gestos e identificação de sentimentos em lugar de palavras. Quase todo o elenco é de atores não profissionais, recrutados num longo trabalho de casting pela diretora alemã Valeska Grisebach.
Este é o segundo longa-metragem (depois de Seensucht) em que Valeska retrata um mundo eminentemente masculino. Isso sem contar sua contribuição para o roteiro de Toni Erdmann, cuja diretora Maren Ade atua como produtora de WESTERN. É uma forma que eu diria cautelosa de entrar no cipoal de rivalidades, emoções reprimidas e condutas obscuras de um grupo de homens, alguns deslocados em terra estranha, outros plantados em sua remota bolha de civilização.
É também uma forma bastante vaga e rarefeita de mostrar esse encontro. A falta de continuidade das sequências e um laconismo quase permanente produzem uma sensação de distanciamento e mesmo de perplexidade. Havia momentos em que eu me sentia um alemão diante de um filme que falava búlgaro, se é que me faço entender nesse português metafórico. WESTERN talvez seja uma parábola da Europa atual, mas uma cifrada em demasia.
¡Así que ahora no solo te soportaremos en el blog sino también en Carta Maior! ¡Felices todos!
Aún mejor si estoy contigo, Raul. Grande abraço