Julieta e Julieta

RAFIKI

RAFIKI é um filme ao mesmo tempo ousado e ingênuo. Sua ousadia está em articular – e filmar lá mesmo – uma história romântica entre duas garotas do Quênia, país onde a homossexualidade é crime punido com até 14 anos de prisão. A ingenuidade vem da forma quase casta com que Kena (Samantha Mugatsia) e Ziki (Sheila Munyiva) se relacionam, bem como da imprudência adolescente com que se portam naquele contexto.

Mesmo assim, o longa foi temporariamente censurado em seu país e colocou em risco a liberdade da diretora Wanuri Kahiu, a ponto de ela pedir aos seus concidadãos que não tentassem assisti-lo para não prejudicá-la (vejam nessa matéria de El País). Pelos meses que durou, o banimento acirrou os debates pela descriminalização das relações LGBT no Quênia. Aqui cabe uma observação: o termo “rafiki” significa “amigx” em swahili, termo sem gênero usado para se referir eufemisticamente a um namorado ou namorada do mesmo sexo.

Baseado em conto da ugandense Monica Arac de Nyeko, RAFIKI põe em cena um “Julieta e Julieta” entre duas famílias politicamente rivais. Kena, filha de pais separados, pertence a uma classe mais humilde e seu pai, um comerciante, concorre a um cargo público. Ziki é filha do candidato adversário, ligado às elites locais. A atração que rapidamente inflama as duas representa um duplo perigo, político e de costumes.

O desenvolvimento do entrecho não prima pela originalidade, nem pela sutileza. A balança do esquematismo pesa bastante no retrato sem nuances da masculinidade tóxica que cerca as meninas, assim como na oposição entre a brutalidade do pai rico e a magnanimidade do pai pobre. A direção tem certa dificuldade em conduzir a reação arrevesada de Ziki após o clímax dramático. Os diálogos com frequência soam empostados, e a montagem não consegue disfarçar que Samantha Mugatsia não sabe andar de skate.

Mas o filme mantém sua cota de simpatia pela boa química entre as duas atrizes e a atmosfera de leve sensualidade criada em torno delas com o uso de contraluzes e sugestões táteis. A cena jovem e moderna de Nairóbi é representada de maneira sugestiva, com destaque para os figurinos e a forte presença das cores por todo o cenário. Essa vivacidade da garotada queniana contrasta amargamente com as pulsões de uma sociedade refém da homofobia, do fundamentalismo religioso e da intolerância violenta.

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