Cinco irmãos na correnteza

O RIO no streaming

No deserto do Cazaquistão, cinco irmãos vivem sob a rude tutela de um pai-patrão, submetidos a um trabalho incessante no campo e na fabricação de tijolos para a construção de um celeiro. O envenenamento do pai não está totalmente fora de suas cogitações. Mas, enquanto ele está fora, os meninos se entregam a brincadeiras e atestam uma profunda união. Sobretudo depois que descobrem um rio ao qual nunca tinham sido apresentados e que, diz-se, é capaz de realizar desejos. Esse quadro de harmonia fraternal vai se modificar a partir do aparecimento de um primo da cidade, que chega a bordo de um segway, com aparência andrógina, roupas excêntricas e um tablet cheio de games.

Mais do que uma parábola sobre o efeito disruptivo da modernidade na vida rural, O Rio (Ozen) será um pequeno estudo sobre a culpa. Quando o primo Kanat desaparece durante um banho de rio, os irmãos veem despertar seus instintos menos fraternos. Adotam a mentira, as delações cruzadas, as ameaças recíprocas, chegando mesmo a um sinal de perda da razão. O rio é uma metáfora da atração que toda novidade exerce sobre a imaginação infantil e, ao mesmo tempo, da correnteza que os arrasta para uma conduta hostil.

O filme está claramente dividido em três partes. De início, o paraíso, embora turvado pela crueldade do pai, enquanto os irmãos estão unidos nos divertimentos e na exploração das redondezas. Depois o surgimento da “tentação” com Kanat e seu tablet desejado por todos. Por fim, o inferno dos sentimentos que se segue ao desaparecimento do primo.

O Rio parece menos brutal que os dois filmes anteriores de Emir Baigazin, Harmony Lessons e The Wounded Angel, os quais não conheço. Forma-se agora uma trilogia em torno do personagem Aslan, aqui o filho mais velho que herda do pai o encargo de educar e forçar os menores ao trabalho.

Baigazin é a maior revelação recente do cinema cazaque. O estilo da direção é espartano, feito de tomadas fixas e um uso teatral do espaço do quadro, onde os atores entram e saem como se fosse num palco. São poucos os diálogos, e a música se limita a duas curtas intervenções extradiegéticas de um cântico com vozes infantis e às batidas dos games. As composições visuais na amplidão do deserto são virtuosísticas e seguem um padrão curioso, baseado na similaridade das ações e movimentos dos cinco irmãos. A tela é seguidamente preenchida de maneira serial pela entrada de cada menino. De certa forma, esse rigor formal vem conferir densidade a um plot que é bastante rarefeito para o gosto ocidental.

>> O Rio está na plataforma Reserva Imovision.

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