
Mussolini e Berlusconi
Amigos me pediram que escrevesse sobre Vincere, o filme de Marco Bellocchio que passa amanhã (domingo), às 21h30, na última chance do Festival do Rio.
Atendo com prazer, pois foi um dos melhores que vi no festival. Detendo-se sobre um episódio pouco conhecido da era Mussolini – a rejeição do Duce a uma amante com quem teve um filho, e a persistente cruzada da mulher para obter o reconhecimento –, Bellocchio cobre três temas que são recorrentes em sua carreira: o sexo, a loucura e a história italiana.
A imagem que melhor sintetiza a conjunção dos três temas é a do jovem Mussolini (Filippo Timi) na cama com a bela Ida Dalser (Giovanna Mezzogiorno). O corpo teso, o olhar esgazeado, a cabeça erguida como num transe diabólico, tudo indica uma possessão e ao mesmo tempo uma ausência, uma alienação para além daquele quarto. É simplesmente assustador, sobretudo quando se pensa na atração sexual que o Duce exercia sobre as mulheres italianas.
Mais tarde, quando a obsessão em dizer-se mulher de Mussolini provoca a prisão de Ida num manicômio, Bellocchio dá vazão a seu elogio da psicanálise como modelo de representação e caminho de salvação. A ideia se consolida na figura de um psicanalista amoroso que mostra a Ida o caminho da sobrevivência. O fantasma da insanidade, porém, continua a rondar até mesmo o filho bastardo inglório. Mussolini pai é o único louco que não é internado, prosseguindo com seu projeto à frente do país.
É inevitável o paralelo com Silvio Berlusconi. Paralelo não somente na aparência física, mas também no comportamento clownesco, no priapismo e no culto que essas figuras despertam na massa italiana. Vincere não deixa de ser um filme sobre o presente.
Por fim, cabe destacar duas manifestações artísticas que formam um subtexto do filme: o cinema e a ópera. Várias cenas se passam no interior de cinemas, e é pelos cinejornais que Ida acompanha o amado durante a guerra e todo o período da separação. Os filmes funcionam como substitutivos da realidade e comentários à trama central. Bellocchio não teme o pathos exacerbado, como quando mostra Ida comovida com o reflexo de sua vida nas cenas de O Garoto, de Chaplin.
Pathos, por sinal, é o que não falta a Vincere. Em seu filme mais operístico, Bellocchio apela a sentimentos profundos da alma italiana, fundidos com elementos de tragédia grega. Ida Dalser não chega a ser uma Medéia, mas carrega as cores trágicas das grandes amantes rejeitadas e mães obstinadas.
Carlos Alberto, gostei do seu comentário sobre o filme, mas discordo no seguinte ponto:
quando diz que Bellochio dá vazão ao elogio à psicanálise como salvação e sobrevivência, materializando isso no papel do ”psicanalista amoroso” não consigo estabelecer quais conexões você fez. Primeiro que ele não era psicanalista e sim psiquiatra. E não consegui observar também que Bellochio considerou a psiquiatria como um ”caminho da salvação”. Quais momentos do filme te levaram a essa análise?
Abs,
Stelle
Olá Stelle, provavelmente cometi um erro ao chamar o psiquiatra do filme de psicanalista. Mas algo me chama atenção no fato de Bellocchio ter provavelmente criado, dentro do inferno dos hospitais psiquiátricos da era Mussolini, a figura daquele psiquiatra amoroso que indica a Ida o caminho da sobrevivência. Vejo aí um eco das antigas cooperações entre Bellocchio e seu psicanalista Massimo Fagioli.