Gosto de me pensar como uma pessoa politicamente correta – ou pelo menos que almeja sê-lo. Não me envergonho disso. Acho que a correção política é uma conquista, não uma praga dos nossos tempos. Não compartilho da campanha contra o politicamente correto, movida pelos cínicos de plantão. Para mim, ela é parte do relativismo selvagem e da canalhice da-boca-para-fora que soam moderninhos por aí.
Portanto, a julgar pelo que tenho ouvido de gente que respeito, tinha tudo para odiar Alô Alô Teresinha. E se odiasse, estava disposto a crivar o filme de balas politicamente corretas, mesmo sendo amigo e colega de profissão do diretor, o também crítico Nelson Hoineff. Qual não foi minha surpresa quando isso absolutamente não aconteceu.
Na sua frontal opção pelo trash – e Chacrinha é um predecessor desse rótulo entre nós –, Alô Alô Teresinha nos obriga a assisti-lo numa determinada perspectiva. Tudo é trash no filme, do trabalho de câmera à montagem que busca sofregamente o efeito caricatural. Passando, principalmente, pela fauna de personagens que representavam o universo do Velho Guerreiro. Quem subia ao palco do Chacrinha sabia o que o esperava. O que o filme propõe a seus performers é uma atitude semelhante, um misto de exibicionismo e inocência que não é anacrônico, mas apenas anda distante da grande mídia atual.
Hoineff lança a famosos e anônimos o mesmo olhar de bisbilhoteiro. Não há hierarquias nem privilégios. Um dos momentos de maior hilaridade na plateia onde eu estava, no Unibanco Arteplex, foi quando Gilberto Gil tenta explicar intelectualmente o humor. O riso era a rejeição ao didatismo num contexto em que isso não cabia.
Não há entrevistas ou depoimentos em Alô Alô Teresinha, mas só performances. As pessoas se oferecem com gosto a essa celebração de uma memória. É fácil apontar os excessos de Hoineff, como o duelo de gagos ou o desconexo desabafo amoroso de Vera Furacão alternando-se com o canto de Almir Fon-Fon. É discutível abrir o microfone para a maledicência e a “entrega” de namoros clandestinos, embora isso não costume ser criticado em biografias escandalosas, mas ungidas pelo “bom gosto”.
Afora alguns poucos momentos, não tive a impressão de que o filme estivesse traindo a confiança dos personagens. Ao invés disso, parecia servir a um desejo de permanência e a um tipo de vaidade ingênua e/ou cara-de-pau. Há, certamente, uma preferência por tipos fronteiriços e excêntricos, mas me pergunto se não é isso mesmo o que fazia o carisma e o sucesso do Cassino do Chacrinha.
O pretexto de emular o espírito anárquico do programa não basta para justificar a estrutura um tanto pobre do filme, que se limita a cotejar personagens no passado e no presente. Mas isso não reduz – talvez até amplie – o seu poder de comunicação, sobretudo na exibição coletiva. Chego a compreender a opção de Nelson Hoineff por não mostrar o filme em cabines para críticos. Imaginem o Chacrinha chamando a Teresinha diante de meros cinco ou seis jornalistas.
Nesse como em qualquer outro caso, o excesso de correção política tende a cegar. O reencontro com essas ex-chacretes, ex-calouros, ex-jurados, ex-técnicos e ex-trelas põe na nossa cara um tipo de comportamento que não se extinguiu. Apenas ficou recolhido a subúrbios, cidades do interior e outros segmentos de um Brasil desproduzido.
Pingback: Os doze trabalhos de Hoineff | carmattos
Eu ainda não vi o filme, tá na manga, mas o que eu não entendi o tom foi do último parágrafo: “(…)põe na nossa cara um tipo de comportamento que não se extinguiu. Apenas ficou recolhido a subúrbios, cidades do interior e outros segmentos de um Brasil desproduzido.”
O que eu quis dizer (não sei se disse), Tiago, é que muito do que se vê no filme pode parecer anacrônico, mas na verdade não é. Existe uma estética do “mico” que sobrevive pelo Brasil inteiro. Os ex-integrantes do mundo do Chacrinha continuam levando sua vida, muitos deles em subúrbios e cidades pequenas, como mostra o filme. Muitos continuam tentando uma carreira ou exibindo-se como podem, na rua ou em qualquer canto iluminado. Um Brasil sem “produção” (maquiagem) que a grande mídia não mostra mais, dominada que está pelas “celebridades” e a incultura travestida de modernidade. Não sei se expliquei ou se confundi ainda mais.
Continuando ainda (me desculpe)…
E na verdade não é nem essa questão de personagens ou pessoas que me incomoda mais, ainda que esteja no centro do meu desagrado. Mas o que acho mesmo é que não há um entendimento do significado dessas chacretes, o que elas significaram e significam em termos de cultura popular – já que o filme prefere falar do Chacrinha pelo seu universo.
Abs (e fim)
Continuando…
Tudo bem que o filme foi feito por um cineasta que também é jornalista, mas esperava um olhar mais amoroso para aquele universo.
Abs
Meu caro,
Você sabe o quanto gosto dos seu olhar crítico, mas no caso desse filme penso completamente o contrário. Ele tem seus méritos, principalmente por trazer à tona as chacretes que povoaram e povoam o imaginário de quem assistia aos programas do Chacrinha. Mas se vejo dignidade nelas é mais por conta delas mesmas e não pela direção. Os programas do Chacrinha era um circo e me lembro que ria muito, Mas como o filme faz é como se eles, chacretes e calouros, ainda lá estivessem. A diferença é que lá era um programa auditório e aqui fora são vidas reais. Lá eles eram, de certa forma, personagens, aqui do lado de fora são pessoas.
Abs