Ver, voar, volver
Carlos Adriano não esconde a origem de seu primeiro longa na sua própria tese de doutorado sobre Santos Dumont e a pré-história do cinema. A relativa coincidência entre o surgimento do mutoscópio (1894), as primeiras experiências de Santos Dumont com balões dirigíveis (1898) e a construção da Torre Eiffel (1889) – em torno da qual SD fez voo célebre em 1901 – levou o cineasta a articular uma série de conexões poético-científicas sobre o desejo de ver e voar.
Um dado vital acabou sendo incorporado pelo filme: a morte do pesquisador e animador cinematográfico Bernardo Vorobow (1946-2009), companheiro e produtor dos filmes de Adriano. As imagens de Bernardo, reiteradas ao longo de todo o filme, sublinham os temas da memória, da desaparição e da reaparição, tão intrínsecos à matéria do cinema. Bernardo, às voltas com uma pequena câmera fotográfica digital no Champs de Mars, cria uma interessante dilatação temporal e tecnológica com as buscas dos pioneiros da imagem em movimento, um século atrás.
Como nunca fizera em seus curtas, Adriano recorre aqui a depoimentos formais para puxar o fio de seu arrazoado. Ismail Xavier, Eduardo Morettin, Henrique Lins de Barros (biógrafo de SD), Ken Jacobs, curadores e historiadores internacionais comentam em paralelo a curiosidade do aviador e a gênese do cinema, bem como o trabalho contemporâneo com materiais de arquivo. O filme de Adriano, aliás, nasceu de um incrível achado arqueológico: centenas de cartões reproduzindo os fotogramas de um filmete da Biograph londrina, rodado para o mutoscópio em 1901. Nele, Santos Dumont aparece mostrando os desenhos e explicando o funcionamento de um balão. Um minuto precioso e desconhecido, que Adriano e Vorobow restauraram e devolveram à forma fílmica. Este é o elemento detonador de toda uma reflexão que nos leva a ver paralelismos formais entre os mecanismos do cinema e da aviação.
Uma inestimável antologia de imagens pioneiras de Marey, Muybridge, Méliès, Dickson, Cohl e outros complementa o prazer intelectual que esse pequeno longa oferece. Arte e pesquisa se unem e se comentam mutuamente num ensaio fertilizado também pelo aspecto afetivo.
Tomei conhecimento agora pela UbuWeb e por esse blog da morte do querido amigo Bernardo Vorobow, trabalhei com ele na Cinemateca Brasileira, fico triste e deixo minhas condolências a todos amigos que também sentem sua falta.