Quatro curtas da competição nacional veiculam uma poética de cidades na fronteira entre o registro documental e a colocação do espaço público em situação de performance. O ambiente mais rústico é o de A Poeira e o Vento, em que Marcos Pimentel volta a apurar seu olhar nas estruturas físicas e nos fluxos de ação de cidades mineiras. Aqui é a isolada localidade de Mogol, frequentemente açoitada pelos dois elementos do título. Pimentel assume um viés contemplativo frente à aridez e à escassez humana do povoado. Cria temporalidades paralelas entre pequenos blocos de (in)ação, realçando o aspecto primitivo e os longos silêncios do lugar.
Outro tipo de aridez é atribuído a Brasília pelo poeta Nicolas Behr, personagem principal de Braxília, de Danyella Proença. Fruto da geração mimeógrafo, Nicolas combate com versos e intervenções urbanas a racionalidade e a desumanização do Plano Piloto. Dentro da “inventada” Brasília ele inventou uma utopia-da-utopia chamada Braxília. O filme é bem melhor quando situa o poeta no corpo da cidade e procura estabelecer uma relação gráfico-lírica com sua monumentalidade – daí a poesia de Nicolas contradizer-se ao criticar e ao mesmo tempo nutrir-se da dureza da cidade. Mas quando o ouve comportadamente numa sala diante de estantes, Braxília trai sua proposta central.
O poeta pernambucano Carlos Pena Filho (1929-1960) é homenageado por 20 artistas conterrâneos em Palavra Plástica, de Leo Falcão. Essa diversidade gera 20 microcurtas dentro do curta. Neles, a declamação de sonetos conjuga-se com recursos de toda natureza para formular situações e visualidades supostamente poéticas. A força de alguns momentos do filme e o perigo da dispersão vêm justamente dessa variedade. Recife surge amiúde tanto nas referências dos poemas quanto na encenação das performances.
Por fim, o menos bem-sucedido dos quatro é São Silvestre, de Lina Chamie, que se contenta em ser uma reportagem um tanto repetitiva sobre a célebre maratona que percorre ruas de São Paulo e tem seu ápice na Avenida Paulista a cada 31 de dezembro. O mau aproveitamento da câmera “corredora” é um exemplo do caráter um tanto genérico da abordagem. O enfoque na emoção acaba privilegiando autocelebrações vazias e os lugares-comuns da superação por maratonistas portadores de deficiência.
tá no link do meu nome. mas só vou ter saco pra atualizar (tenho mais de 30 semi-resenhas aqui…) depois do festival rs
Um dos males de Palavra Plástica é que aqueles offs parecem leituras de escola. Leituras quase metralhadas, lidas como se fossem literatura de cordel, sem respiros, sem tempo pra fruir verdadeiramente nem o poema nem as imagens que se pretendem relacionar ao mesmo. Muita coisa ao mesmo tempo. Sem contar na falta de harmonia entre os “microcurtas”, ficou parecendo um samba do crioulo doido. Não curti.
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A Poeira e o Vento me lembrou muito Ave Maria ou Mãe dos Sertanejos não só na forma de abordagem como em algumas cenas. Só faltou a música do Luiz Gonzaga. Mas apesar disso, gostei da relação que o diretor faz entre o garoto e o porco, a ludicidade da morte.
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Coutinho Repórter é decepcionante. Acho que ele perdeu o timing de ter lançado o filme antes. A impressão que eu tive foi de um mais do mesmo, talvez por já ter lido várias entrevistas do Coutinho, mas mesmo assim achei que o diretor exploraria um lado menos conhecido do “mestre”. Aquela abertura com a música do Globo Repórter antigo é horrorosa. Enfim…
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Entre Vãos… Sério que ainda se coloca Gimnopedia nº 1 como trilha sonora para sublinhar momentos de melancolia? Irritante. Chega a ser engraçado.
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Para mim os destaques ficam entre “Hoje tem Alegria” (pelo uso intrigante dos depoimentos – verdadeiros ou não – nas cartelas ao invés de se utilizar do off, instiga o espectador em saber quem está falando), “o filme que fiz para não esquecer” (pela sua beleza singela e poética de uma maneira quase inexistente nos outros concorrentes), e “Meia Hora com Darcy” (tudo bem, é a força do Darcy, da sua palavra, ou talvez justamente a perda dessa força, uma força decrescente. Gosto da figura do diretor colocada em xeque em vários momentos).
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(ainda vou trabalhar melhor sobre cada curta no meu blog.)
Abraço.
Valeu pelos ótimos comentários, Vitor. Mas compartilhe aqui o endereço do seu blog. Abraço