A segunda edição do Filmambiente – Festival Internacional do Audiovisual Ambiental acontece de 31 de agosto a 6 de setembro em quatro salas do Rio. É grande a responsabilidade de um festival como esse numa época em que a produção de temática ambiental prolifera em ritmo vertiginoso e cria tanto obras de real importância quanto uma massa indistinta de discursos redundantes. Num texto que fiz para o catálogo do evento, chamei atenção para os muitos filmes que pensam contribuir para salvar o planeta, mas na verdade estão ajudando a extinguir o cinema.
A programação do 2º Filmambiente é estimulante ao destacar um conjunto de filmes que avançam na discussão da ecologia associando-a uma agenda social e econômica. Entre filmes razoavelmente conhecidos e outros inéditos, o festival vai oferecer uma programação bem variada, que pode ser consultada no site oficial do evento. Já tive a oportunidade de ver três produções com capital estrangeiro que tratam do Brasil, demonstrando como os olhos do mundo seguem atentos ao “caso brasileiro”.
A abertura hoje (sexta) conta com a grife Martin Scorsese na produção executiva de Sobreviver ao Progresso (Surviving Progress, foto acima), longa canadense dirigido por Mathieu Roy e Harold Crooks. Este último estará presente à sessão, assim coimo a ex-Ministra Marina Silva, personagem do filme. O documentário, filmado em diversos países, segue o modelo mesa-redonda virtual, da qual participam diversos pensadores ambientais, incluindo Marina e o escritor Ronald Wright, autor do livro no qual o filme se inspira. O tom é de questionamento da concepção usual de progresso, que coloca a economia acima dos cuidados com a natureza e com a sobrevivência humana. As oligarquias financeiras são apontadas como as grandes vilãs, assim como o fundamentalismo de mercado lançado nos anos 1980 por Ronald Reagan e Deng Xiao-Ping. “A economia é destrutiva”, diz alguém. “A nossa sobrevivência não é um problema de técnica, mas de ética”, afirma Marina.
Os depoimentos são intercalados ou ilustrados por imagens ostensivas de grandes cidades, selvas em chamas e concentrações humanas em escala global. Tomadas aéreas de São Paulo aparecem com frequência quando se fala das “armadilhas do progresso”. Como de hábito em filmes do gênero, uma receita é prescrita para tentarmos salvar a ideia de civilização. No caso, controlar o desperdício e eliminar o consumo supérfluo dos ricos. A ação do Ibama na Amazônia surge como um dos poucos momentos em que o filme de fato encara a complexidade das questões que, de resto, trata com a certeza das prédicas.
Mais penetrante ainda na pauta amazônica é Far-West Amazônia, coprodução franco-brasileira assinada por Carolina Venturelli e Erwan Massiot. Eles retratam uma comunidade formada por quatro famílias de colonos no interior do Pará. Eles ou seus pais foram atraídos pelas promessas do governo à época da construção da Transamazônica e depois se sentiram não só abandonados, como ainda culpabilizados pelo desmatamento de 1/3 da floresta desde os anos 1970. O dilema entre consumir e conservar, sobreviver e preservar a mata manifesta-se através de um discurso de desapontamento por parte dos pequenos agricultores, e às vezes mesmo de ameaça: “Se não recebermos alguma ajuda, vamos ter que continuar desmatando para não morrer de fome”.
A terra na região não é das mais favoráveis à exploração agrícola. Algumas soluções de sustentabilidade existem, mas dependem de recursos e incentivos, o que não tem aparecido. O filme se baseia na observação do cotidiano das famílias e destaca a solidariedade como um dos valores mais caros entre eles. O roteiro é um tanto errático, mas consegue transmitir a angústia de quem vê a fonte de seu sustento ir se extinguindo e não consegue parar de contribuir para isso. Pelo menos até o dia em que a floresta dê mais dinheiro em pé do que deitada, como diz um dos personagens.
O Brasil está na pauta de outro doc estrangeiro, o francês Uma Aventura Chamada Brasil (Une Aventure Nomée Brésil), de Kakie Roubaud. Mas, ao contrário do tom crítico dos dois já citados, este é um elogio do resgate que o Brasil vem fazendo de comunidades outrora desassistidas. Não tece loas a governos, mas a iniciativas privadas de cunho socioambiental. Uma escola de música bem sucedida na favela paulista de Heliópolis, uma Bolsa de Valores Sociais na capital daquele estado, um empresário que levou tecnologias sustentáveis para uma cidade paupérrima do semiárido alagoano, um canavieiro que apoia artesanato em outro local de Alagoas, uma fábrica de preservativos com matéria-prima recolhida entre seringueiros da região de Xapuri, no Acre.
O média de 54 minutos tem enfoque voltado para um público estrangeiro que está interessado neste novo Brasil da era Lula-Dilma. Daí a exposição de grupos sociais humildes, mas bafejados por empreendimentos de uma certa consciência empresarial mais avançada. Os limites dessa ideologia ficam explícitos, porém, no depoimento do canavieiro que reclama tratamento diferenciado no mercado porque investe “no socioambiental”. Ou seja, ele quer vender mais caro porque acha que gasta mais. Afora isso, temos aí um filme composto apenas de boas notícias e um estímulo à ideia do empreendedorismo social.
SOLANAS NO RIO – O cineasta e político argentino Fernando Solanas comparecerá à sessão do seu filme Terra Sublevada – Ouro Impuro no próximo domingo, às 19h, no Espaço Itaú de Cinema (Praia de Botafogo). Leia aqui minha resenha do filme.