No singularíssimo filme estoniano NA VENTANIA, o diretor Martti Helde encontrou uma forma brutalmente sugestiva de exprimir a suspensão da vida durante um período negro da História. As pessoas envolvidas na deportação de estonianos para campos de concentração na Sibéria durante o stalinismo, nos anos 1940, simplesmente não se movem. À exceção de um prólogo e um epílogo narrados com movimentos ralentados e sem som ambiente, todo o filme é composto por tableaux-vivants, em que apenas se movem os objetos agitados pelo vento e um ou outro pássaro. A câmera, porém, não cessa de circular pela cena, explorando todos os seus ângulos dramáticos. As tomadas elaboradíssimas se “emendam” e formam planos-sequência deslumbrantes, que incorporam a passagem do tempo. O processo lembra, aqui e ali, o de Sokurov em “Arca Russa”.
As imagens em preto e branco e sua esmerada composição remetem ao acervo fotográfico da época. Assim, é como se o espectador caminhasse dentro das fotos, numa espécie de realidade virtual. Ao mesmo tempo em que percebemos o sopro vital que anima os atores, temos também a sensação de estar visitando registros históricos “por dentro”. O conceito de “imagem congelada” adequa-se à paisagem invernal da Sibéria, com os seres humanos se transformando em peças de uma natureza morta, num estado de suspensão inquietante.
Nessa viagem ao coração da dor e do movimento, somos conduzidos pelas cartas de Erna Tamm (Laura Peterson), uma das sobreviventes do chamado Holocausto soviético, que teria custado mais de 590.000 vidas. A voz off de Erna é a única ouvida ao longo do filme, o que pode gerar um tom razoavelmente monocórdico. Mas mesmo isso converge favoravelmente para a proposta minimalista de Martti Helde e intensifica a concentração de recursos para fugir ao lugar-comum dos filmes do gênero. Nesse sentido, NA VENTANIA me pareceu bem superior e bem mais extraordinário que o superestimado “O Filho de Saul”.
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