Crianças de verdade

VERÃO DE 1993 foi uma das opções que eu e minhas colegas de júri no Janela Internacional de Cinema do Recife consideramos até o final das discussões para escolher o melhor filme – que acabou pendendo para o franco-belga “Jovem Mulher”. Na Espanha em brigas separatistas, curiosamente, foi esse drama catalão que se credenciou para disputar uma vaga para o país no Oscar de filme em língua estrangeira. Não entrou na shortlist, mas vem causando encantamento por onde passa.

Isso se dá principalmente pela atuação impressionante da menina Laia Artigas, capaz das mais difíceis nuances para expressar a crise por que passa sua personagem, Frida, após perder o pai e a mãe. Frida vai morar no campo com os tios e uma prima menor, com quem mantém uma relação de amor e disputa. A diretora Carla Simón baseou-se em experiências autobiográficas para fazer esse retrato de um complexo estado de espírito que só pode ter lugar na infância.

Frida tem diante de si o desafio de configurar uma nova família dentro de família relativamente alheia. Ao mesmo tempo que preserva laços com a mãe recém-morta de Aids, ela precisa cavar um lugar na nova conjuntura, nem que seja pelo mau comportamento e a chantagem emocional. Tudo é muito complexo e matizado no filme, especialmente no que diz respeito à interação entre as duas meninas, que passa por imitação, liderança, inveja e perversidade.

A câmera não desgruda de Frida/Laia, trafegando entre ela e o que ela vê. Pela perspectiva dela é que penetramos gradativamente no contexto, através de espaços a princípio não muito claros e diálogos muitas vezes ocultados por cochichos em off. As crianças parecem crianças de verdade, com sua carga de inocência, graça e enigma. O naturalismo radical faz a força e as eventuais fraquezas do filme, tais como a duração indulgente de algumas sequências (vide a longuíssima brincadeira com o tio e os travesseiros) e uma certa hipervalorização do banal. Ainda assim, basta ter Laia Artigas na tela para compreendermos o que pode mobilizar uma criança infeliz.

Um comentário sobre “Crianças de verdade

  1. Pingback: Ode à agricultura familiar | carmattos

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