Sobre o documentário A ÓPERA DE PARIS e o drama político suíço MULHERES DIVINAS
A ÓPERA DE PARIS “cruza” com dois outros documentários exibidos há não muito tempo. “La Danse”, do mestre Frederick Wiseman, abordava o corpo de baile da Opéra, mas também dava ênfase ao icônico edifício parisiense. Já “Reset” acompanhava a tormentosa temporada do coreógrafo Benjamin Millepied à frente da companhia. A ÓPERA DE PARIS enfoca o conjunto da obra, ou seja, a ópera e o balé.
O diretor suíço Jean-Stéphane Bron afasta-se do modelo Wiseman ao privilegiar não a observação crua do funcionamento da instituição, mas sim o conteúdo de espetáculo que é gerado em seu interior. Através da montagem, ele não só sublinha o teor de beleza, humor e tensões no dia-a-dia da Ópera, mas também constrói seus próprios efeitos de síntese, suspense e emoção.
Exemplares desse procedimento são as cenas em que ele desloca nossa atenção de uma superestrela do canto lírico para o trabalho miúdo e fundamental de sua assistente nos bastidores; ou troca a exposição de um espetáculo de dança pela exaustão de uma bailarina nas coxias. Ou ainda quando testemunha o stress da diretoria para escapar às ameaças de greve ou encontrar substituto para um cantor adoecido a poucas horas de uma apresentação. Esse olhar em busca do extraordinário é o que nos vai colocar diante da imagem insólita de um touro habituando-se à música de Schönberg para participar de uma montagem especialmente arriscada.
O diretor da Ópera, Stéphane Lissner, é o personagem central por que passam todas as energias em jogo. O acesso que ele facultou às câmeras de Bron chega a ser temerário, como num telefonema delicadíssimo com um demissionário Benjamin Millepied.
Outro fio do roteiro é a introdução de um jovem cantor russo que precisa vencer seus medos e seu francês inexistente para agarrar a grande oportunidade de sua vida. Em vários momentos desse personagem, Bron exercita uma particularidade interessante do seu filme, que é preservar os impasses e as perguntas sem resposta. Afinal, cabe ao documentário também revelar o que não tem como ser revelado.
MULHERES DIVINAS, candidato suíço ao Oscar de filme estrangeiro, reúne diversos clichês simpáticos da narrativa sufragista em versão alpina. Numa aldeia dos Alpes, em 1971, uma dona de casa desperta para a causa do voto feminino e lidera uma pequena revolução entre suas conterrâneas. Nora (Marie Leuenberger), não por acaso xará da heroína protofeminista de Ibsen em “Casa de Bonecas”, descobre que merece não só votar, mas também procurar um emprego, dividir as tarefas domésticas com os homens da casa e, principalmente, ter um orgasmo.
A narrativa segue o padrão costumeiro: conscientização gradual, formação de cumplicidades, choques com o machismo dominante, uma greve de mulheres e o mais que previsível desenlace eleitoral. Mudanças de opinião e de lado se dão como por passes de mágica, emprestando ao filme de Petra Biondina Volpe um tom didático e bastante convencional.
É justamente por isso que causam boas surpresas as ousadas e divertidas referências ao sexo. Numa aula de iniciação hippie, as mulheres do lugar aprendem a classificar e amar suas vaginas. Na cena final, Nora ganha o seu maior presente político, uma metáfora gloriosa da colocação da cédula na urna. E aquela isolada aldeia suíça nunca mais seria a mesma.
P.S. A ironia do título original, “A Divina Ordem”, foi trocada aqui por um descabido “Mulheres Divinas”.
Também fiquei em dúvida qto ao número de câmeras que em alguns momentos parecem ser mais de uma. Não há menção nos créditos. Gostei bastante do filme.