Nem vivos, nem mortos

NÓS – Festival de Brasília

O drama dos desaparecidos políticos durante a ditadura tem sido razoavelmente abordado pelo cinema brasileiro. O documentário NÓS atualiza o tema ao abordar quatro casos, três deles bem mais recentes, de pessoas desaparecidas nas mãos do Estado.

O elo com os anos 1970 é feito pela história do nordestino “Lula”, militante da Ação Libertadora Nacional cujo corpo nunca foi localizado. Os demais personagens ausentes desapareceram nos anos 2000. O índio Rolindo era um professor que foi provavelmente assassinado por fazendeiros enquanto lutava pela retomada de terras guaranis no Mato Grosso do Sul. Paulo estava em liberdade condicional quando saiu de casa e não voltou mais. Felipe saiu de moto com um amigo e desapareceu depois de ter sido visto sendo abordado pela Guarda Civil em São Paulo.

Nem vivos, nem mortos, eles constituem apenas um vazio inconsolável em suas famílias. O documentário de Pedro Arantes verifica como esse vazio é vivido ou sublimado pelos pais e irmãos. Mais do que consultar as emoções dessas pessoas, Arantes procurou captar os reflexos das tragédias na maneira de ser de cada uma, as marcas deixadas na voz e no corpo, os mecanismos desenvolvidos para superar a perda mais dura de todas.

Assim é que a religião e os rituais cotidianos cumprem um papel importante nesse processo. Os índios, por exemplo, confiam num futuro em que os seus desaparecidos vão “se auto-noticiar” e, se mortos, dizer onde estão enterrados. Uma das mães adotou um filho que de alguma maneira substitui aquele que foi perdido. Outra se recusa a qualquer tendência entre considerar o filho vivo ou morto. A eternização do desaparecido se dá em sonhos, impressões de presença e na própria luta pela localização.

Tudo é muito simples e básico no filme, assim como seu título de duplo sentido. Cresce em alguns momentos de maior pathos e sobretudo nas cenas finais, quando o canto dos indígenas parece unificar as dores de todas as famílias. Em outro momento, um pai que desafia seus limites físicos para galgar uma ribanceira funciona como uma forte metáfora da persistência de uma luta e de uma memória.

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