Mal-vindos ao talibã tropical

Aconteceu o pior dos piores. O ciclo iniciado com as tais “jornadas de junho” de 2013 se completou com a chegada da extrema-direita aos plenos poderes no brasil. Saíram vitoriosos a ignorância, o ódio e o obscurantismo. Perdemos a oportunidade de ter governantes do porte de Fernando Haddad e Manuela d’Ávila porque um pouco mais da metade do país simplesmente não estava à altura deles. No fundo, se esse brasilzinho minúsculo jamais mereceu Lula, tampouco mereciam Haddad e Manu.

Agora resta nos prepararmos para tempos de entreguismo econômico ainda maior que sob Temer, desvalorização de trabalhadores e sobretudo de trabalhadoras, escuridão evangélica, perseguição às artes e à cultura de ponta, intolerância para com as diferenças, violência e extermínio à solta. Um talibã tropical ameaça se impor na sociedade brasileira, com consequências que ainda não se pode antever.

Essa derrota não é minha, não é do PT, nem tampouco da esquerda e da centro-esquerda. É uma derrota do brasil como nação perante as outras nações e perante seus próprios sonhos. É uma derrota que nos custará caro e por muito tempo, pois a rajada de ódio que ela promete detonar não cessará tão cedo.

Por isso não quero poupar palavras e indignação neste texto.

Eu dedico essa derrota aos golpistas que, entre 2013 e 2016, derrubaram um governo democrático e abriram caminho para o avanço do extremismo neofascista.

Dedico essa derrota ao Judiciário conivente com o golpismo e inoperante ao lidar com uma candidatura que atentava seguidamente contra os princípios da convivência democrática e da dignidade humana.

Dedico essa derrota à maioria dos eleitores do Sul e do Sudeste, que prestigiaram o horror, mesmo sabendo do que se tratava.

Dedico essa derrota à parte podre das elites brasileiras, que financiam o atraso para continuarem se locupletando da miséria alheia.

Dedico essa derrota às camadas dominantes da nossa classe média, que cultivaram sentimentos da pior espécie em nome de uma ideia perversa de bem-estar e de falsa dignidade hipócrita.

Dedico essa derrota aos pobres de direita, com sua ingratidão, seu masoquismo social e seu servilismo vocacionado para a escravidão.

Dedico essa derrota aos gays homofóbicos, aos negros racistas, às mulheres machistas e aos judeus nazistófilos que se alinharam com seus algozes.

Dedico essa derrota aos fanáticos pentecostais, com seu conservadorismo tacanho e sua desinformação forjada pelo pastoreio digital.

Dedico essa derrota ao Sistema Globo, que nutriu o anti-esquerdismo com injúrias e manipulações as mais grotescas desde sempre, e à Folha de S. Paulo, que bajulou o presidenciável fascista até o penúltimo momento em troca de audiência.

Dedico essa derrota a Ciro Gomes e Fernando Henrique Cardoso, que falharam em empenhar seu prestígio eleitoral no apoio ao candidato que representava o respeito à democracia e à liberdade.

O PT cometeu erros no passado e no presente, mas não pode ser culpado pelos tantos inimigos que conspiraram para a derrota do brasil no dia de ontem. Essa conta há de ser paga por todos. E pelo visto, sairá bem cara.

Sofro por Lula, por aqueles que estão à frente dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda e centro-esquerda, pelos artistas e intelectuais, pelos professores e estudantes, por todas as pessoas conscientes e sensatas que podem padecer muito nesses meses e anos que virão. De minha parte, tudo o que quero é tomar distância espiritual desse brasil moribundo que começa hoje, uma vez que distância física não me é possível tomar.

Se eu acreditasse em Deus, talvez repetisse o que Eduardo Cunha e Ciro Gomes invocaram nos piores momentos de suas respectivas e defuntas carreiras: “Que Deus tenha misericórdia desta nação”. Mas não acredito sequer que ainda temos uma nação.

6 comentários sobre “Mal-vindos ao talibã tropical

  1. Concordo, plenamenre, com sua indignação e compartilho. Mas, existe, se não um consolo, pode ser considerada “uma luz no fundo do túnel”:
    Que conste nos autos….

    Eleitores: 147 milhões (100%)
    Primeiro lugar: 57,6 milhões (39,1%)
    Segundo lugar: 46,7 milhões (31,7%)
    Branco: 2,5 milhões (1,7%)
    Nulo: 8,6 milhões (5,8%)
    Abstenção: 31 milhões (21%)

    Muitos silenciaram (21%). Muitos lavaram as mãos (7,5%). Mas muitos se opuseram (31%). O futuro presidente teve o apoio de 39% dos eleitores. Isso quer dizer que 61% não o quiseram. Que ele e seus apoiadores saibam e sempre se lembrem disso. Não achem que serão donos do Brasil, pois são minoria em nosso país. Muitos silenciaram. Muitos lavaram as mãos. E muitos se opuseram. Somados, somos a esmagadora maioria.

    Créditos: Sidnei Rosa.

    • Minha leitura é mais pessimista do que essa. Para mim, os que silenciaram e os que lavaram as mãos compactuaram com ele. Sabiam que o perigo era iminente e preferiram se manter à margem. A meu ver, são ainda piores do que os que o apoiaram francamente. Nas minhas contas, 68,3% contribuíram para a derrota do país.

  2. Texto-desabafo potente e corajoso. Faço suas as minhas palavras. Difícil descrever a decepção com o egoísmo social das classes médias e elites do sudeste brasileiro. Vamos ser governados por homens brancos, velhos machistas homofóbicos racistas e muito vulgares.

    • E o pior é pensar que esse desvario não partirá somente das camadas decisórias, mas já se espalha pelo tecido social como um câncer vertiginoso.

      • Sim, a escuridão se espalha sobre nós… nós, que defendemos a democracia e um Brasil mais igual temos que estar juntos agora, discutir sobre o que se abateu sobre este país… nossos erros e acertos… como podemos ainda iluminar (nem que seja com um fósforo) a realidade… como resistir… Meu abraço, amigo.

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