MAMA COLONEL
A Coronel Honorine Munyole está sempre bem penteada e vestida em uniformes impecáveis. Isso ajuda na manutenção de sua autoridade à frente de uma unidade especial de proteção a mulheres e crianças na República Democrática do Congo. Mas o que a distingue de verdade é o trabalho de enfrentamento da violência e restituição da dignidade das vítimas num país marcado por guerras e brutalidade familiar. Honorine é a personagem-título do documentário MAMA COLONEL, que já amealhou diversas láureas internacionais, entre elas o Grande Prêmio do prestigioso Cinéma du Réel e o Prêmio do Júri do Fórum do Festival de Berlim de 2018.
Sabemos pouco da vida privada da Coronel, além de que é casada e tem sete filhos. O filme do congolês Dieudo Hamadi não tem falas diretas para a câmera, nem dela, nem de ninguém a elogiá-la. É puro cinema direto, que a acompanha na despedida da cidade de Bukavu – onde deixa mulheres se sentindo desprotegidas com sua transferência – e a instalação em Kisangani, foco da Guerra dos Seis Dias, que deixou um rastro de famílias destruídas. A estratégia de Honorine é reunir as mulheres que perderam maridos e filhos na guerra às crianças órfãs ou retiradas de lares abusivos, formando novas comunidades.
Diante da câmera, as situações e depoimentos são lancinantes. Mulheres foram estupradas, tiveram seus maridos mortos e seus filhos levados por milícias ugandenses que disputavam com ruandenses o controle de Kisangani. A miséria e a dor assumem feições absurdas quando, por exemplo, mutilados de guerra acusam mulheres que se dizem violentadas de serem falsas vítimas e disputarem seus direitos de reparação.
Como se não bastassem as guerras, ainda há crianças acusadas de bruxaria e maltratadas brutalmente por pais e padrastos. Um bebê foi estigmatizado simplesmente por ter mordido o mamilo da mãe durante a amamentação. Um grupo de crianças é encontrado num cativeiro evangélico para serem curadas de bruxaria.
A dureza dessas experiências só parece ser mitigada pela dedicação de Honorine, com sua fibra de comando sobre soldados e sua ascendência maternal sobre mulheres e crianças. Uma grande personagem, vista somente no front profissional. Resta a curiosidade sobre o seu lado humano, que fica fora de cena.
O contexto histórico e artístico do Congo (antigo Zaire) vai ser objeto de um debate com o ator congolês refugiado Musipere neste sábado (9 Nov) após a sessão das 19h no Cinesystem do Américas Shopping, na Barra da Tijuca. Confira o evento no Facebook.