OPERAÇÃO PEDRO PAN no Canal Curta!
Não foi uma nem duas. Foram cerca de 14 mil crianças enviadas por seus próprios pais de Cuba para os EUA entre 1960 e 1962, na chamada Operation Peter Pan. A ideia era salvá-las do comunismo.
Idealizada pelo padre americano Bryan O. Walsh, com apoio da CIA, a operação causou separações familiares traumáticas e interferiu no destino de tantos adultos como esses que aparecem no documentário Operação Pedro Pan. O filme estreia no Canal Curta! nesta sexta-feira, 17/7, às 22h30.
É um trabalho de alta qualidade dos diretores Maurício Dias e Kenya Zanatta, sobre argumento e com a consultoria histórica abalizada de Fernando Morais. O roteiro do documentário é exemplar de como apresentar experiências pessoais perfeitamente contextualizadas historicamente.
A revolução cubana foi inicialmente apoiada por grande parcela da classe média local, a igreja e até o governo de Richard Nixon. Fidel foi recebido em Washington, ainda que hipocritamente, como um herói da democracia latino-americana. Acreditava-se que o ímpeto revolucionário fosse fogo de palha.
Mas logo a Guerra Fria desenharia outro perfil para essa relação. Acossados pelo terrorismo contrarrevolucionário e pelas ameaças de invasão americana, os cubanos triunfantes se aproximaram da União Soviética e intensificaram a marcha rumo ao socialismo. Vieram, então, outras tentativas de desestabilização do novo regime, baseadas na propaganda da Radio Swan e em fake news apontadas para as famílias da classe média e alta. Com a nacionalização das escolas particulares, surgiu o medo de que os pais perdessem o pátrio poder sobre seus filhos, que seriam enviados para campos de concentração, ou mesmo a URSS, onde seriam comidos como carne enlatada. Quem não se lembra da famosa figura do comunista comedor de criancinhas?
De fato, muitos adolescentes e jovens foram deslocados para programas de alfabetização de camponeses. Um dos entrevistados menciona até o fuzilamento de adolescentes, o que carece de evidências comprobatórias.
A Operação Pedro Pan surgiu nesse contexto, em meio a outras medidas de estímulo à emigração de cubanos. Crianças eram dispensadas de visto e mandadas gradativa e semiclandestinamente para a Flórida, onde passavam a viver em orfanatos, acampamentos ou em casas de famílias adotivas. Algumas sofreram abusos, como deixa transparecer Sylvia Correa numa passagem delicada de sua entrevista.
Como Sylvia, outras mulheres e homens transladados quando crianças na Operação Pedro Pan dão seu testemunho no filme. São hoje pessoas bem-sucedidas – Tomás Regalado chegou a ser eleito prefeito de Miami por dois mandatos –, mas com uma fissura emocional que se manifesta na voz e no olhar. As lembranças são vagas, mas não por isso menos dramáticas. Sandra Alfonso, por exemplo, pede perdão em nome do pai, que colaborou no gerenciamento da Operação. Já Eloy Cepero, banqueiro e estudioso de música cubana, quase repete a famosa performance do Sr. Henrique, em Edifício Master, ao botar para tocar o disco de Cuando Salí de Cuba.
Fotos de seus acervos particulares e um valioso material de arquivo ilustram cada aspecto da rememoração. Alguns revisitam locais onde moraram ao chegarem aos EUA e onde sofreram com a ruptura brusca dos pais e de todas as referências familiares. Falas de especialistas e observadores do período contribuem para circunstanciar amplamente o assunto.
Muito bem embasado e tecnicamente irretocável, Operação Pedro Pan só se ressente da falta de algum personagem que, afinal, tenha ficado à margem do sonho americano. Há os que permaneceram fiéis ao anticastrismo e aqueles que tomaram consciência e se opuseram aos pais. Mas custa a crer que, entre os 14 mil “Pedro Pans”, todos tenham se realizado tão bem quanto os que aparecem no filme.
Operação Pedro Pan estreia no Canal Curta! na sexta-feira, 17/7, às 22h30. Reprises: 18 de julho, sábado, às 2h30 e 15h; 19 de julho, domingo, às 22h30; 20 de julho, segunda-feira, às 16h30; 21 de julho, terça-feira, às 10h30.