MÃES DE VERDADE e 14 DIAS, 12 NOITES abordam encontros dramáticos forjados pela adoção
Gravidez precoce e cerejeiras em flor
Naomi Kawase foi abandonada pelos pais ainda criança, quando eles se separaram, e criada por uma tia-avó. Seu cinema é marcado por reflexos autobiográficos e frequentado pelos temas da união familiar, da maternidade e da filiação. Mesmo quando busca inspiração em obras alheias, ela dá preferência a esse universo de sentimentos. É o caso de Mães de Verdade (Asa ga kuru). Baseado em romance de Mizuki Tsujimura, o filme conta em paralelo as histórias de duas mães de uma mesma criança.
Grávida aos 14 anos, Hiraki (Aju Makita) é repudiada pelos pais e enviada para uma agência de adoção em Hiroshima, onde mães desprovidas de condições para criar seus filhos são acolhidas para aguardar o parto e destinar seus bebês a pais adotivos. Um casal bem sucedido de Tóquio, incapacitado para gerar um filho, vai receber amorosamente o pequeno Asato (Reo Sato). Cinco ou seis anos depois, uma mulher se apresenta aos pais adotivos dizendo-se mãe biológica de Asato e reclamando o filho de volta.
Não é uma história exatamente original, mas o que distingue essa abordagem da diretora japonesa é a sua forma de contá-la. A estrutura em flashbacks desfolha aos poucos o drama dos dois lados, gerando uma comoção crescente no espectador. A decisão de Satoko (Hiromi Nagasaku) e seu marido (Arata Iura) pela adoção é tomada numa sucessão delicada de silêncios e percepções recíprocas, interpretada com extrema sensibilidade por atriz e ator. Por sua vez, o drama de Hiraki evolui nos entretempos, refletindo a opressão que se abate sobre jovens japonesas por supostos desvios de conduta.
A passagem de Hiraki pelo centro de acolhimento da Baby Baton abre espaço para uma perspectiva semidocumental de outras jovens de vida conturbada para quem a gravidez é um percalço. Para Hiraki, contudo, a situação é de perda e desencanto, o que vai levá-la a uma tristíssima tentativa de recuperação.
Apesar de algumas incongruências de dramaturgia que prejudicam a verossimilhança no desfecho, Naomi Kawase fez aqui um dos seus filmes menos cifrados e mais emocionalmente penetrantes. Isso sem abdicar de sua estética de suavidade sussurrante, pontuada por planos de folhagens, cerejeiras em flor, sóis poentes e mãos que se procuram em sinal de solidariedade e compromisso. Coisas que sempre tornam seu estilo um tanto adocicado e reiterativo. Ao mesmo tempo, Mães de Verdade coloca em filigrana questões amargas como o abandono e o abismo social entre as classes.
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A perda compartida
A família da mãe biológica é a vilã também em 14 Dias, 12 Noites (14 Jours, 12 Nuits), produção canadense dirigida por Jean-Phillipe Duval. Por ter engravidado de um francês (“um bárbaro”) em 1990, a órfã vietnamita Thuy é considerada traidora do seu país e tem o filho enviado para um orfanato pela bisavó. A menina é adotada com um ano de idade por um casal canadense. Aos 17, morre num acidente. É quando a mãe adotiva, a oceanóloga Isabelle (Anne Dorval), decide levar as cinzas ao Vietnã e procurar a mãe biológica.
Um atalho providencial do roteiro possibilita que Isabelle e Thuy acabem estando juntas num passeio turístico pelo Vietnã. O que se segue, então, é uma excursão com toques etnográficos, em que Isabelle toma contato com a cultura original da filha e hesita em abalar a estabilidade de Thuy com as notícias que trazia. Afinal, Thuy é uma artista, mulher bonita e culta, que parece, pelo menos superficialmente, feliz.
O sentimento de perda é compartido entre as duas mulheres, mas não o luto para a mãe vietnamita enquanto ela não souber de tudo. Essa assimetria põe em risco a amizade que se insinua entre elas. Movendo-se entre os dois tempos e os dois países, o filme carrega a expectativa da revelação de maneira um pouco arrastada, entre registros superficiais da vida no Vietnã profundo. A sobriedade das atuações só vacila na cena climática, prejudicada pelo overacting de Anne Dorval.
No pano de fundo estão as dominações e as guerras que torturaram o povo vietnamita e deixaram mágoas difíceis de curar. A Indochina francesa e os ataques norte-americanos ressoam na consciência estrangeira de Isabelle e na herança dolorosa de Thuy.
>> 14 Dias, 12 Noites está na plataforma Cinema Virtual