É Tudo Verdade: ULTRAVIOLETA E A GANGUE DAS CUSPIDORAS DE SANGUE
Quem vê o título e mesmo a sinopse divulgada pelo festival não vê o coração desse filme singular. Trata-se de uma triste história de amor epistolar entre duas mulheres nos anos 1920-1930. Uma delas, Emma, era avó do diretor Robin Hunzinger e mãe de Claudie Hunzinger, que escreveu o filme com o filho. A outra, Marcelle, era alguém que eles só conheceram ao descobrir suas cartas organizadas e deixadas por Emma.
Emma e Marcelle, aos 16 e 17 anos, viveram um amor estival no interior da França, logo interrompido pela separação. Emma se mudou para estudar. Marcelle ficou a simplesmente viver a vida. Mas a paixão se perpetuou através de cartas ao longo de muitos anos. Marcelle contraiu tuberculose e, no sanatório, se ligou a três outras pacientes, com as quais acabou fugindo para os Alpes. Tudo era contado em confidências nas cartas para Emma, seu amor maior.
Mas como narrar essa história dispondo, além das cartas, de apenas umas poucas fotos de cada uma na época em que estiveram juntas? A filha e o neto querem vê-las vivas e em movimento. Vem, então, a bonita decisão que gera o filme. Eles iriam recompor o relato com imagens de mulheres diversas filmadas entre os anos 20 e 40 do século passado. São jovens campestres, internas de um sanatório, esportistas nos Alpes e uma profusão de cenas idílicas, domésticas, anônimas, que ilustram poeticamente a trajetória de Marcelle contida nas cartas. Aparecem também imagens de filmes de Germaine Dulac, Maya Deren e outras.
Imperam a sensualidade e a joie de vivre, ensombrecidas, porém, pela saudade e por uma constante expectativa de morte. Ultraviolette era o apelido de Marcelle no sanatório. A gangue das cuspidoras de sangue era uma metáfora para a irreverência com que Marcelle e suas amigas punham o amor acima de todos os cuidados. Um desejo que era tão contagioso quanto a doença.
Ultravioleta e a Gangue das Cuspidoras de Sangue (Ultraviolette et le Gang des Cracheuses de Sang) tem uma beleza rimbaud-verlainiana nas cartas e no agenciamento poético e simbólico das imagens de arquivo. Pena que as legendas em português nem sempre façam jus ao lirismo do texto. As inserções esparsas e inesperadas da cor, o trabalho de ruidagem e a trilha musical dolente de Siegfried Canto evocam um tempo em que a transgressão era segredo guardado a sete chaves. Robin e Claudie nos dão um presente com o compartilhamento desse baú de afetos e imagens igualmente afetuosas.
Exibição:
05/04 – 17h: online – É Tudo Verdade Play – Limite de 1500 visionamentos.
Que beleza de história. Que beleza do texto, vou conferir imediatamente. Grato C.A Mattos, o Carlito
Que beleza de comentário.
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