Um poeta atormentado segundo Terence Davies

BENEDICTION
Filme inédito comercialmente no Brasil, integrou minha lista de favoritos vistos em 2022

O novo filme de Terence Davies se debruça sobre Siegfried Sassoon, herói da Primeira Guerra e poeta que se insurgiu contra a guerra. Sua história pode não interessar tanto ao público brasileiro, mas o estilo de Davies, sim. Afinal, ele está mais uma vez no seu elemento: vidas vividas entre o prazer transgressor, a melancolia e o sofrimento íntimo.

Sassoon (Jack Lowden) vive diversos “amores que não ousam dizer seu nome”, como no jargão da época. A começar pela descoberta de que não estava sozinho na caserna. Seu romance com um jovem militar durante o período em que esteve num sanatório, para onde foi mandado para escapar à Corte Marcial, só termina quando o rapaz parte para o front, onde morrerá. Em seguida vem o caso tórrido com o ator de peças musicais Ivor Novello, por quem é abandonado. E então com Stephen, que também o troca por um príncipe alemão.

Ele acaba se casando com a também poeta Hester Gatty (1906-1973), com quem teve o filho George. Por um momento, achou que o casamento seria sua redenção, mas chegou à velhice (na pele do ator Peter Capaldi) cheio de amargura e rejeição ao mundo moderno, sentindo-se irrealizado e subestimado pela elite britânica. “Toda a minha vida passei esperando por uma catástrofe”, diz.

Terence Davies narra a história desse homem no estilo conhecido, com muita simetria, imagens que acariciam os olhos e as típicas canções que costumam pontuar seus filmes. Arquivos da I Guerra ajudam a tornar mais agudos os poemas ouvidos na banda sonora. A cronologia é maleável e submetida a algumas bonitas fusões temporais. Os formatos um tanto antiquados do diretor se prestam perfeitamente à atmosfera evocativa e lírica que predomina visualmente. Em contrapartida, os diálogos fervem de acidez sob o verniz da elegância. Gente esnobe enfileirando citações e desferindo farpas reciprocamente. num filme que consegue ser manso e tenso ao mesmo tempo.

A homossexualidade como condicionante de comportamentos e temperamentos traz à memória a famosa trilogia autobiográfica de Davies, igualmente mergulhada na insatisfação e no abatimento. Mas com uma diferença: talvez pela primeira vez na carreira, ele abre mão de sua estética da sublimação para mostrar dois homens se amando na cama (Sassoon e Novello).

No fim das contas, talvez não fique muito claro que tipo de redenção Siegfried Sassoon buscava entre o amor e a guerra. A conversão ao Catolicismo acrescenta mais um dado a esse processo, embora não pareça trazer maiores mudanças na sua consciência empenhada numa vaga busca da verdade. A bênção (Benediction) que lhe toca não lhe apazigua, nem lhe poupa de uma dor profunda.

Trailer em inglês

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