O céu e o inferno de uma maestrina

TÁR
Filme inédito comercialmente no Brasil, um dos meus favoritos vistos em 2022

Tár nos coloca no centro de um pequeno mundo que a imensa maioria de nós desconhece: o mundo das grandes celebridades da música clássica nos EUA e na Europa. Toda a comunicação do filme de Todd Field quer nos fazer acreditar que Lydia Tár existe (ou existiu) de verdade. Interpretada magistralmente por Cate Blanchett, ela é compositora, regente titular da Filarmônica de Berlim e ostenta um currículo estelar, desfiado oralmente, já na primeira sequência, pelo apresentador (real) Adam Gopnik, da revista New Yorker, que conduz uma entrevista com ela.

Lydia tem uma personalidade mercurial, como se imagina dos grandes maestros. A Música (assim, com maiúscula) está acima de tudo para ela, como vemos na discussão com um jovem aluno que despreza Bach por ele ter sido misógino. “A arquitetura de sua alma são as redes sociais”, ela acusa. Esse pequeno conflito vai repercutir mais adiante, mas não é o único a atormentar Lydia Tár.

Enquanto prepara uma gravação ao vivo da 5ª Sinfonia de Mahler para a Deutsche Grammophon, ela entra em choque com o veterano condutor assistente, está sendo perseguida por uma jovem maestrina obcecada por ela e se encanta por uma violoncelista russa recém-chegada. Tudo isso afeta sua relação com a companheira, primeira violinista da orquestra, e com sua secretária particular, também apaixonada por ela. Além dessa ciranda de afetos e queixas, Lydia também enfrenta seus próprios fantasmas, que a assustam a todo momento com ruídos e frequências sonoras vindos de diversas partes da casa.

Seja nos palcos de famosas salas de concerto, seja numa aula na Julliard School ou submetendo a testes as alunas de um programa de bolsas de estudo que dirige, Lydia empunha com garra sua batuta e sua língua ferina. As conversas com seus pares são cheias de tecnicalidades e citações a Fürtwangler, Schopenhauer & Cia. O esnobismo é uma constante nesse universo de superricos e ultrachiques que vivem na ponte aérea Berlim-Nova York e alternam com naturalidade os idiomas inglês, alemão e francês. Na mesma medida em que podemos nos sentir atraídos pelo charme dos personagens, permanecemos distantes do significado cifrado da maioria de suas perorações.

O roteiro um tanto tortuoso, a montagem cheia de desvios e situações apenas insinuadas, deixam vários pontos sem nó. Os problemas de Lydia carregam o filme para um desfecho esquisito (esta é mesmo a palavra) no Sudeste da Ásia, que não se explica bem dramaticamente. O que nos imanta ao longo de 158 minutos é a elegância com que Todd Field rege sua “orquestra” audiovisual, a beleza da fotografia de Florian Hoffmeister e a excelência do elenco. Cate Blanchett, presente em quase todos os pixels, tem uma atuação simplesmente mesmerizante. Os cacoetes antes de entrar em cena, a verve gestual que acompanha as falas, a autoridade com que se comporta no pódio (quase na fronteira do overacting) compõem uma das grandes interpretações femininas da temporada.

>> Tár tem estréia prevista para 26 de janeiro no Brasil.

3 comentários sobre “O céu e o inferno de uma maestrina

  1. Desvíos, pontos sem nó, Blanchet e o fotógrafo arrasando muuuucho.
    Os primeiros 15 minutos valem o filme, me lembrou nosso velho Coutinho, pasmem….

  2. Pingback: Balanço do meu ano cinematográfico | carmattos

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