Há quem queira sacar o revólver quando ouve falar em roteiro de documentário. Uma concepção ingênua ou muitas vezes hipócrita sustenta que os docs são imunes ao roteiro, já que nasceriam, magicamente, de um confronto direto com o real. A prática, porém, não confirma isso. No Brasil, sobretudo, parte considerável da produção documental depende de editais, que requerem a apresentação de um planejamento, um pré-roteiro. Mais tarde, durante as filmagens, a confecção de pautas e a previsão de linhas de ação ganham importância para um trabalho criterioso. Já na montagem, tudo responderá a um novo roteiro a partir do material filmado. Este roteiro de edição, aliás, é o mais claramente assumido pelos documentaristas.
A verdade é simples: enquanto na ficção o roteiro geralmente fica circunscrito à fase de preparação, no documentário o fator roteiro se estende a todas as etapas da realização. É um trabalho dinâmico e interativo, que se alimenta continuamente das circunstâncias da produção.
Este é o foco do livro Roteiro de Documentário – Da Pré-produção à Pós-produção, de Sérgio Puccini (Papirus, 2009). Na compreensiva análise desse doutor em Cinema pela Unicamp, a roteirização em docs é “um esforço de aquisição de controle de um universo externo”. Bingo!
Se acerta na premissa, Puccini toma alguns caminhos discutíveis no desenvolvimento de sua argumentação. O tom do livro varia entre a explicação teórica, a descrição de exemplos e o aconselhamento de manual. O autor insiste numa comparação nem sempre produtiva entre roteiros de fic e doc. Enfatiza as diferenças para organizar o pensamento, o que pode ajudar num certo didatismo, mas minimiza a crescente aproximação entre os dois tipos de registro no cinema contemporâneo. Em outros momentos, Puccini preconiza para o doc modelos de roteirização em colunas de som e imagem que parecem bastante extemporâneos e de difícil aplicação. Também os paralelos com formas de produção norte-americanas ou europeias (onde se destaca a figura do produtor como parceiro do diretor) soam inapropriados à realidade brasileira.
Esses senões, porém, não invalidam o surgimento de um livro que, pela primeira vez entre nós, se lança nesse pantanal da metodologia. A leitura é fluente e não abusa do jargão teórico, enquanto os exemplos ilustram com propriedade os argumentos do autor. O alerta para a importância desse “estado permanente de roteiro” é fundamental para quem faz ou estuda documentários. A seguinte citação de Alan Rosenthal liquida o assunto com humor:
“Alguns cineastas mergulham na filmagem sem a menor pista sobre qual vai ser o assunto do filme. Eles apenas seguem um palpite: se você filma bastante, alguma coisa interessante irá acontecer. Eu imagino que o mesmo raciocínio serve para sustentar a ideia de que se você deixar um macaco um bom tempo na frente de uma máquina de escrever ele irá escrever Hamlet.”
Bingo de novo!