Retrato solene do poeta inútil

 

Há muita pedra no caminho de quem se dispõe a varrer o chão de Manoel de Barros. Sua poesia, cheia de insignificâncias profundas, pede mão leve e olhar arejado. Sua vida, toda ela virada contra a parede, não rende grandes cenas nem parece abarcar grandes histórias. Joel Pizzini descobriu isso quando tentou fazer um doc sobre o poeta pantaneiro e acabou desfazendo o curta-poema Caramujo-Flor. 

Pedro Cezar, em Só Dez por Cento é Mentira, experimentou o caminho do meio. Ou seja, combinar o-poeta-por-ele-mesmo com o-poeta-por-outros e o-poeta-espalhado-no-mundo. Obteve de Manoel uma rara entrevista “para a máquina”. Colheu flores de admiração de Pizzini, Bianca Ramoneda, Elisa Lucinda, Viviane Mosé e Fausto Wolff. Arrebanhou gente que cria por causa de Manoel: um fabricante de objetos poéticos, um escultor brutalista, um guia turístico de “manoelês” em Corumbá. Ouviu parentes, salpicou versos na tela, construiu estrofes visuais para sugerir a materialidade e a meninice da poesia manoelina.

O resultado é solene, vistoso e sobrecarregado, a ponto de não condizer muito com a delicadeza da poesia que se vê e ouve. O próprio poeta, quando fala, convenhamos, não contribui muito para ficar igual ao que escreve. A ininterrupta consciência de ser um poeta absoluto, assim como um suave e sorridente egocentrismo, tingem suas palavras de fio a pavio. Até porque esse tipo de louvação o estimula a passar sempre a mesma imagem.

Só Dez por Cento é Mentira é o que o senso comum espera de um “documentário sobre Manoel de Barros”. Mas foram os próprios versos do poeta que nos ensinaram a esperar o inesperado, o paradoxo que desconcerta o senso comum. Tem muita coisa no filme, mas faltou talvez o essencial.

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