É preciso ter ‘Raça’

O lançamento de Cinderela, Lobos e um Príncipe Encantado foi dos mais discretos. O documentário sobre as relações entre mulheres brasileiras e homens estrangeiros ficou em cartaz por duas semanas no Ponto Cine e no Cine Santa Teresa. Continuo torcendo para que tenha uma chance também na Zona Sul. Mas Joel Zito Araújo não está parado. Ele vai concluindo mais um opus de outra temática, a sua preferida: o lugar dos negros na sociedade brasileira.

O drama Filhas do Vento e, sobretudo, o doc A Negação do Brasil são capítulos marcantes de uma reflexão sobre os preconceitos e estereótipos que envolvem o papel dos afrodescendentes, seja na vida, seja na representação. Um novo doc, Raça, vai enfrentar o assunto na arena da política.

Sem entrevistas nem narração, Raça acompanhou três personagens em momentos cruciais de sua luta. O senador Paulo Paim (PT-RS) tentava costurar acordos no Congresso para aprovar seu longamente acalentado Estatuto da Igualdade Racial. O cantor e político Netinho de Paula (atual vereador pelo PCdoB/SP) lançava sua emissora TV da Gente (2005-2007), dedicada a promover a isonomia entre negros e brancos. No interior de Minas Gerais do Espírito Santo, a ativista Miuda dos Santos liderava manifestações contra a Aracruz Celulose e em defesa das terras quilombolas.

Miuda dos Santos

Com recursos da Petrobras e da Ford Foundation, a co-produção (e co-direção) vem sendo tocada a quatro mãos por Joel e pela documentarista americana Megan Mylan, vencedora do Oscar de curta doc em 2008 por Smile Pinki e de outros grandes prêmios por Lost Boys of Sudan. Joel e Megan se conheceram em 1993 e vinham alimentando o desejo de trabalhar juntos desde que Joel esteve na Universidade do Texas, em 2001. A sinopse do projeto na produtora americana permite deduzir que havia um quarto personagem, um estudante beneficiado por ação afirmativa, que acabou não entrando na versão final, editada pela onipresente Jordana Berg.

Vale a pena aguardar a chegada desse filme que mostra diferentes facetas do movimento negro, mas sem se curvar aos discursos dominantes. Raça mostra a política sendo exercida nos níveis parlamentar, da comunicação de massa e da experiência empírica ligada à terra e às tradições. São como braços de uma árvore, que nascem de um mesmo tronco, se expandem cada um por si e cujas folhas quase se tocam no alto da copa.

Vale esperar também a maneira como o filme se acerca da intimidade dos personagens, flagrando cenas as mais sugestivas. Poucas vezes chegamos tão perto, por exemplo, dos sussurros com que se costuram os conchavos nos gabinetes e corredores do Senado.

Raça ainda não tem previsão de lançamento, mas deve ser um dos bons de 2011.

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