A Semana dos Realizadores se encerra hoje às 21h30 com a sessão de premiação e a primeira exibição no Rio do doc O Mestre e o Divino, premiado como melhor filme, montagem e trilha sonora na competição de longas documentais do último festival de Brasília.
O Mestre e o Divino lança uma camada a mais de observação e complexidade ao modelo de trabalho da ONG Vídeo nas Aldeias. Temos aqui um realizador branco (Tiago Campos) que filma a interação entre um cineasta xavante (Divino Tserewahú) e um missionário alemão que vive e filma entre os índios há mais de 50 anos (Adalbert “O Mestre” Heide). O projeto lança a todos numa trama de evocações históricas, ambiguidades da relação entre índios e catequistas, discussões sobre representação cinematográfica e vínculos pessoais que desafiam estereótipos comuns da convivência interétnica.
Com seu jeitão de Jacques Tati na terceira idade, o Mestre é um personagem e tanto. Cenas impagáveis de seus filmes revelam o desejo de não só filmar os índios, mas se construir como herói entre eles, uma espécie de cacique forasteiro. O modelo do herói-mártir indígena Winnetou, criado pelo autor alemão Karl May, pautou um ideal romântico que o Mestre procurou semear entre os índios e o fez ser reconhecido até hoje como um elemento ao mesmo tempo invasivo e constitutivo da identidade xavante atual. Divino foi seu aluno na missão salesiana na aldeia de Sangradouro, e um certo laço paternal não é dissimulado.
O Mestre e o Divino tem humor, inteligência na dupla catalisação do processo de filmagem e a revelação de uma figura e um acervo fílmico inestimáveis. Abre avenidas para uma compreensão mais profunda do papel do cinema na construção de um saber antropológico. Além de melhor filme, ganhou também melhor montagem (Amandine Goisbault) e trilha sonora – não só pela música original de Johann Brehmer, mas também pelo uso inspirado da música diegética (tocada dentro da cena) ao longo do filme.