Soldados e operários
As cicatrizes da II Guerra estão por toda parte na Polônia: memoriais aos mortos, monumentos a soldados, vestígios dos guetos judaicos, banners de exposições, etc. Os turistas comuns geralmente se detêm, compungidos, diante dos primeiros que encontram, mas depois, dada a frequência, começam a passar batido.
Em Gdansk, na praça em frente à entrada dos estaleiros do Solidariedade, existe, porém, um monumento diferente (foto acima). É dedicado aos operários que perderam a vida nos conflitos grevistas dos anos 1980. Estávamos ali relembrando os filmes de Andrzej Wajda e as imagens da época quando notamos a chegada de um grupo de jovens brasileiros ruidosos. Eles deram uma olhada rápida nas três cruzes enormes, nas efígies de operários, nas placas de bronze, e um deles, provavelmente já farto de tanto monumento, apressou os demais:
– São aqueles caras que morreram na guerra. Vamos embora.
E seguiram em frente, eufóricos.
A velha arma russa
O croata Božidar Hunjadi, nosso motorista nas estradas dos Balcãs, lutou contra os sérvios na Guerra da Croácia. Ao longo da viagem, contou-nos diversas histórias de combate encarniçado contra os chétniks em Zagreb, Dubrovnik e Vukovar. Quando visitávamos o Museu Histórico de Sarajevo, com sua pungente coleção de souvenirs da Guerra da Bósnia, Božidar topou com uma velha metralhadora de cilindro, semelhante à que tinha usado no início da guerra. Ele explicou para minha câmera, entre sorrisos tímidos:
– Em 1991, quando a guerra começou na Croácia, eu tinha uma arma como essa. Uma arma russa de 1942, muito pesada, mas ainda assim eu estava satisfeito em tê-la. Mais tarde, quando consegui uma Kalashnikov, aí então fiquei muito, muito feliz.
Mandela no vitral
Mesmo antes de morrer, Nelson Mandela já era cultuado como um misto de herói e santo nacional na África do Sul. O carinho do povo se manifestava de todas as maneiras e em todos os locais imagináveis. Em Joanesburgo, no bairro de Soweto, o maior centro de resistência contra o apartheid, a igreja católica de Regina Mundi serviu de ponto de encontro e refúgio dos negros perseguidos pela polícia. Ela foi duramente atacada durante o famoso levante de 1976 e ainda mostra sinais de balas nas paredes internas e externas. Mas o que salta aos olhos são os vitrais hiper-coloridos, onde, em meio a anjos e santos, figuram cenas das lutas e marchas do povo de Soweto, coroadas por uma aclamação a Mandela. Ali a mescla entre sagrado e secular se apresentava em todo o seu esplendor.
Suas histórias são tão deliciosas que a gente se sente parte delas. Vi muito desse “desprezo” brasileiro aos monumentos na Alemanha. E lembro de uma viagem a trabalho na Espanha em que uma pessoa do grupo reclamou que não aguentava mais ver “coisa velha”. Quero mais histórias!
Suas histórias são deliciosas. Para mim, viajar é isso, muito mais do que visitar e fotografar cartões-postais. ❤
Viajar não é surfar, mas mergulhar, né Cris?