Não se impressionem com a foto de filme-catástrofe. A avalanche que detona os acontecimentos de FORÇA MAIOR deve ser tomada no sentido metafórico. Como a neve que se desloca em volume cada vez maior a partir de um deslizamento inicial, o deslize moral de Tomas precipita uma desestabilização não só do seu casamento, como da relação de um casal amigo e do projeto de férias de todos. Mais que isso, a partir de episódio aparentemente isolado coloca-se uma discussão mulitifacetada sobre a guerra dos gêneros, as expectativas reservadas ao comportamento do homem e da mulher, e a eventual crueldade de quem se julga no direito de cobrar heroismo dos outros. Em pauta, ainda, a dificuldade dos personagens para destravar os sentimentos em palavras diante um do outro, característica que eu só não atribuo aos suecos porque Bergman exauriu esse tipo de diálogo em “Cenas de um Casamento”. Talvez o diretor e roteirista Ruben Östlund tenha esquematizado um pouco as soluções no ato final do filme, de maneira a relativizar culpas e restaurar laços de confiança. Ainda assim, restam um bom material para reflexão e algumas possibilidades em aberto. O ambiente da estação de esqui, somado à música de Vivaldi, cria uma moldura clara, gelada e perfeita para o quadro humano soturno, dolorido e cheio de arestas. A direção é minuciosa, o ritmo é dilatado e a dramaturgia está a milhares de milhas das fórmulas comuns de inspiração hollywoodiana. Só isso já é um convite.
118 DIAS é o filme de estreia de Jon Stewart, apresentador do Daily Show, telejornal satírico da TV americana. Não é uma peça de propaganda anti-Irã, como pode parecer a princípio, mas anti-Ahmadinejad. Embora pretenda ser um thriller sério sobre a prisão, em 2009, do jornalista Maziar Bahari, correspondente da Newsweek no Irã e simpatizante da candidatura Mousavi, passa às vezes a impressão de ser uma comédia. O mexicano Gael García Bernal no papel de um jornalista iraniano já não é um bom início. Afinal, estamos muito distantes do contexto do chileno “No”, em que ele brilhou como homem de mídia. Numa sequência importante, Maziar corteja seu torturador, um pornógrafo reprimido, com histórias inventadas sobre massagens eróticas. Em outra, feliz por ter conseguido falar com a mulher grávida ao telefone, Maziar faz uma dança patética na sua cela solitária. Suas conversas imaginárias com o pai e a irmã, ambos ex-presos políticos já falecidos, são mais uma prova de falta de imaginação dramatúrgica. Se Gael não convence um momento sequer no seu personagem, parecendo ingênuo e sorridente demais para sua posição, o resto do elenco, os interrogatórios, as locações na Jordânia, a edição de materiais de arquivo como se fossem filmagens de Maziar, nada soa plausível. A intenção de fazer um paralelo entre a condição de dependência do presidiário e seu algoz não rende o resultado pretendido. E quando todos os iranianos conversam entre si em inglês, a gente sente que está num filme pra lá de Teerã.
Julianne Moore enfim ganhou seu Oscar com PARA SEMPRE ALICE. Pode ter sido justo pelas indicações deste ano, mas foi injusto para com outros papéis mais desafiadores de sua carreira. As donas de casa que fez com Todd Haynes, por exemplo: uma alérgica ao meio-ambiente em “Mal do Século”, outra desorientada com a descoberta de que o marido era homossexual em “Longe do Paraíso”. Como a Alice desse novo filme, uma professora de Linguística acometida de Alzheimer precoce, ela tem um desempenho preciso e comedido, mas que não exige muito do seu enorme talento. De resto, o drama se limita a pontuar a progressão da doença até um limite palatável para plateias mais sensíveis. Os temas da culpa pela transmissão genética e da vergonha profissional são as principais características que definem essa personagem em relação a similares de outros filmes, como “Longe Dela”, “Amour” e o curta brasileiro “Clarita”, de Theresa Jessouroun. Outra distinção interessante é que, ao mostrar os estágios iniciais da síndrome, a paciente ainda tem o controle da situação e pode participar ativamente das preparações para a fase mais grave. Preparar-se em relação à família e sobretudo a si mesma, até onde isso seja possível.
Existem muitas coisas estranhas em O AMOR É ESTRANHO. O filme de Ira Sachs tem sido festejado como uma sóbria e delicada história de convivência familiar. E é isso mesmo: sóbria e delicada, com atores maravilhosos, mas não necessariamente bem explicada. Na trama relativamente banal, apenas acontece de os protagonistas serem um casal gay que vive junto há quase 40 anos e encara dificuldades depois de assumir um casamento formal. A crise em parte provocada por Ben ao ir morar com a família do sobrinho lembra o argumento de Era uma Vez em Tóquio, de Ozu, enquanto o desajuste de George no apartamento dos policiais gays vizinhos carrega um certo tom estereotipado à base de latinos, negros e conversa fiada. Na conta dos estereótipos coloco também a caracterização dos gays sensíveis como pessoas ligadas às artes (pintor e professor de música). A mim soou drástica demais a necessidade de eles morarem de favor em casas separadas, mesmo considerando-se os problemas habitacionais de Manhattan. Vi ali uma situação dramatizada em excesso do ponto de vista factual, ainda que em estilo contido e conciso. O mesmo em relação à demissão de George, tão sumária e passivamente aceita. Os personagens secundários são deixados em áreas de sombra um tanto descuidadas, sendo que a mais grave cerca o menino Joey, cuja sexualidade e comportamento são objeto de temores dos adultos. Esse é o subplot mais problemático do filme, sobretudo pelo desenlace extremamente ambíguo, com risco de ser interpretado como “cura gay”. É claro que o contexto não justificaria essa leitura, mas a sequência final me pareceu um bocado estranha. Quem já viu, por favor comente.
Alem de estranha ao enredo central a cena final de Amor e estranho me pareceu esticada para o filme cumprir cota de tempo de projecao como longa mettagem.
Sim, parece uma digressão alheia ao espírito geral do filme. No mínimo…