Brunhilde Pomsel (1911-2017) tinha 103 anos quando deu essa entrevista aos diretores de Uma Vida Alemã. Com voz firme e expressiva emanando do rosto escalavrado pelas rugas, ela conta como chegou e como sobreviveu ao posto de estenógrafa de Joseph Goebbels. Mais que isso, seu impressionante depoimento sugere a maneira como a população alemã cultivou a alienação durante o III Reich e como lida com esse passado ainda hoje.
Como Leni Riefenstahl e tantos outros colaboradores próximos da cúpula hitlerista, Brunhilde esquiva-se da culpa e refugia-se na autodepreciação: “Eu era tão superficial na época (…) Não sabia nada de política”, diz. Admite ser “um dos covardes”, mas com a ressalva de que não havia como excluir-se ou opor-se sem colocar a vida em risco.
Referindo-se a sua infância e juventude, fala do “mundo estreito” em que vivia, regido por disciplina e punições. Depois de trabalhar no consultório de um médico judeu, a chance de um bom emprego na Rádio Alemã a fez entrar para o Partido Nazista. Daí ao Ministério da Propaganda foi uma questão de promoção.
O documentário perdeu a oportunidade de extrair de Brunhilde mais informações sobre as ações da pasta de Goebbels, além de adulterar notícias para incriminar o inimigo. Seu relato se fixa mais em casos pitorescos (como a viagem do cachorro do ministro a Veneza) e a um misto de admiração e espanto com a figura do chefe. A descrição física que faz dele é um dos grandes momentos do filme.
De memória prodigiosa para detalhes e com talento para contá-los, Brunhilde às vezes parece mergulhar em suas lembranças como se pensasse alto ou falasse para si mesma. Em outras passagens, está radiante ao rememorar a Berlim de 1936 ou o prazer de trabalhar com pessoas tão “gentis”. Já ao narrar a rendição no bunker do ministério, em 1945, soa como uma mulher assombrada pelos rumos da História.
Todo o depoimento de Brunhilde é pontuado por trechos de filmes de propaganda, registros dolorosos dos guetos e campos de concentração, e falas de Goebbels. Esse material explicita muito do que a secretária deixa de fora, por ignorância ou omissão. Dessa maneira, Uma Vida Alemã constrói um documento histórico de primeira grandeza.
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