UMA QUESTÃO PESSOAL
A primeira cena de UMA QUESTÃO PESSOAL mostra o partigiano Milton (Luca Marinelli) afastando-se de seu companheiro de brigada para fazer uma sindicância pessoal na casa onde antes vivia sua amada Fúlvia (Valentina Bellè). É o primeiro sinal de que Milton se desvia da guerra contra os fascistas em 1943 para se ater à esfera privada.
Esse distanciamento define o caráter romântico e ao mesmo tempo um tanto egoísta de Milton, o herói ligeiramente autobiográfico do romance homônimo de Beppe Fenoglio, tido por Italo Calvino como um dos grandes da literatura italiana do pós-Guerra. No livro e no filme, Milton nutria um amor irrealizado pela frívola Fúlvia. Ao saber que ela talvez tenha se bandeado para o amigo comum Giorgio (Lorenzo Richelmy), agora prisioneiro dos “baratas negras”, ele decide procurá-lo e capturar um fascista para trocar por ele. Age num misto indiscernível de ciúme e amor pelo amigo. Um triângulo amoroso cujas pontas não se encontram.
A adaptação foi o último roteiro assinado pelos irmãos Taviani. Vittorio morreu poucos meses depois da estreia do filme na Itália. Pela primeira vez em sua carreira, Paolo assina sozinho a direção. O filme, contudo, preserva intacto o espírito da dupla. Ali estão os dramas individuais destacados contra o fundo histórico, a ligação profunda entre personagens e paisagens da Itália profunda (aqui as montanhas do Piemonte na II Guerra), a dramaticidade sempre concentrada nos rostos e tantos outros traços dos cineastas que nos deram Pai Patrão, A Noite de San Lorenzo, Kaos, Allonsanfan e César Deve Morrer.
UMA QUESTÃO PESSOAL pode não ter o esplendor rústico de seus clássicos. Pode parecer mais convencional. Ainda assim, traz momentos de grande pathos, como a cena da menina sobrevivente entre os mortos de uma aldeia ou a aparição do prisioneiro fascista que simula uma insana bateria de jazz. O contraste entre as montanhas enevoadas da guerra e os flashbacks luminosos do trio de protagonistas dá um senso de propósito ao périplo obsessivo de Milton, um homem fadado a sobreviver.
Os acordes de Over the Rainbow, canção referencial do amor de Milton por Fúlvia, fornece a base para toda a trilha sonora e remetem tanto à aptidão bilingue do rapaz quanto a um desejo de evasão do clima sufocante da Itália fascista.
Como filme de despedida, é um bonito exemplo de um cinema dedicado aos dilemas do humano em tempos de conflito e dissolução comunitária. Numa entrevista, Paolo afirmou que a decisão de fazer esse filme deve-se em parte ao retorno de ideias fascistas à Itália contemporânea. Pelo que disse também, ele continuará a filmar sem a parceria do irmão.