BIXA TRAVESTY – Festival de Brasília
Nem bem homem, nem bem mulher. Nem gay, nem hetero. Nem viado, nem transgênero. A cantora e ativista Linn da Quebrada é BIXA TRAVESTY, designação apta não a definir, mas a aumentar a confusão de gêneros. “Criei o meu próprio espaço de pertencimento para pertencer, pelo menos, a mim mesma”, diz ela.
Linn, ex-Lino e ex-Lara, já fez cinema no elenco de Corpo Elétrico e do documentário Meu Corpo é Político. Kiko Goifman e Claudia Priscilla, sempre desafiadores na escolha de seus personagens, deram o que Linn merecia: um filme para chamar de seu. BIXA TRAVESTY, vencedor do Prêmio Teddy para melhor doc sobre tema LGBT no Festival de Berlim, faz um perfil assumidamente performático. Lá estão as atuações ultrajantes de Linn nos palcos da cena trans paulistana, as ideias transmitidas com articulação sofisticada num fictício programa de rádio, papos descontraídos e outros bem sérios com amig_s e parentes.
No fundo, é um filme-manifesto em prol da identidade sexual plural, com a mira apontada na virilha dos machos. Linn da Quebrada é uma celebração dos diferenciais. Mas o maior deles talvez seja a recusa a abraçar a sôfrega busca dos índices de feminilidade em que se empenha a maioria dos travestis. Linn é musculosa, angulosa, maquia-se pouco, não tem seios e demonstra tanto orgulho do pênis quanto do ânus – ambos generosamente arregaçados diante da câmera em vídeos caseiros. Ela admite mesmo ter dúvidas quanto ao que fazer materialmente com seu corpo, embora o politize o quanto pode.
Nas conversas com outras amigas trans, especialmente com a rechonchuda Jup do Bairro, pode-se perceber alguns dilemas. O desejo de serem vistas como algo mais que figuras engraçadas, por exemplo, ou o uso do narcisismo como arma de autoafirmação onde eventualmente falta o amor alheio.
Kiko e Priscilla absorveram materiais de várias épocas e aparências de Linn, incluindo as performances no hospital em que tratava um câncer nos testículos. Numa das cenas mais desconcertantes e ao mesmo tempo ternas do filme, vemos Linn e a mãe se ensaboarem reciprocamente debaixo do chuveiro. Momentos como esse lançam o filme num lusco-fusco entre pessoa e personagem. Na maior parte do tempo, Kiko e Priscilla estão claramente documentando a figura que Linn esculpiu para si. Eu fiquei à espera de um movimento que fizesse romper essa máscara e deixasse aparecer uma dimensão realmente íntima, fora da performance.
Talvez essa minha expectativa fosse um tanto moralista, no sentido de procurar uma camada de “verdade” por trás da persona de Linn. Pode ser que isso não tenha sido atingido, mas também pode ser que a verdade seja mesmo a performance. A fronteira entre o íntimo e o político, a subjetividade e o estado de combate, em Linn da Quebrada, provavelmente se apagou.