Certamente você já viu O Sétimo Selo, Morangos Silvestres, Persona, Gritos e Sussurros, Fanny e Alexander e outras obras-primas de Ingmar Bergman, mas será que já conheceu o Bergman publicitário? O que pode soar como uma heresia foi pura realidade num momento difícil da carreira do cineasta da alma.
Em 1951, mesmo depois de ter feito sucesso com Música na Noite, Sede de Paixões e Rumo à Alegria, Bergman passava por dificuldades financeiras. O cinema sueco estava em greve e ele, casado pela terceira vez, tinha três famílias para sustentar. Não resistiu ao convite da Unilever sueca para colocar seu prestígio a serviço da marca de sabonete Bris (brisa, em sueco). Com um polpudo cheque nas mãos e recursos abundantes de produção, ele realizou nove comerciais de pouco mais de um minuto para louvar as qualidades do sabonete “livre, saudável e fresco”. A série poderia se chamar no Brasil “Quando as mulheres se ensaboam”.
No livro Imagens, Bergman comentou: “Achei divertido lançar um desafio aos filmes de publicidade estereotipados, brincando com esse gênero, fazendo-os como miniaturas à maneira de Georges Méliès. E esses filmes eu os fiz para me darem pão, a mim e a minhas famílias. Mas isso era um problema secundário. O importante foi eu poder dispor livremente de recursos e fazer precisamente o que quis fazer com a mensagem comercial. Aliás, sempre tive dificuldade em ficar indignado cada vez que a indústria se precipita sobre a cultura para lhe dar dinheiro.”
Embora a coletânea disponível no Youtube (veja abaixo) não esteja legendada – nem a má qualidade da imagem espelhe os requintes da fotografia de Gunnar Fischer –, os nove filmetes dão mostras da liberdade com que o diretor tratou o gênero e da forma como ele incorporou fixações suas. O teatro é elemento onipresente, assim como o teatro de marionetes. O sonho, o cinema mudo e a animação também comparecem, incluindo um duelo entre sabonete e bactéria. Bibi Andersson estrela um dos anúncios, concebido como uma peça teatral de época. O humor e a paródia são constantes, perceptíveis mesmo que não se entendam as falas. Há até uma sátira aos filmes 3D, que Bergman detestava.
O diretor famoso serviria à Unilever para elevar o status do Bris, que até então era considerado um sabonete das camadas populares. A única exigência era que, em algum momento, fosse mencionado o slogan do produto, que mais parecia uma explicação científica: “O suor em si não tem odor. O odor resulta do contato das bactérias da pele com o suor. Bris mata as bactérias. Sem bactérias, sem odor!”
Veja uma coletânea dos nove anúncios:
E aqui, o comercial de época com Bibi Andersson em melhor qualidade: