Uma assistente muito estranha

A ASSISTENTE no streaming

Um dia no trabalho de Jane (Julia Garner), no que parece ser o departamento financeiro de uma produtora de cinema em Nova York. Jane é a primeira a chegar e a última a sair. É uma faz-tudo: lava louça, arruma a sala do chefe, faz reservas, puxa relatórios – e ainda tem que articular os encontros sexuais do chefão tipo Harvey Weinstein com suas amantes e inventar desculpas ao telefone para a mulher dele. Desde que despontou em festivais, em 2019, A Assistente (The Assistant) tem sido objeto de debate no cinema da era do #metoo.  

Na tal produtora, os assuntos importantes rolam somente entre os homens, em conversas fora do quadro. Jane é como uma sombra, que parece só existir quando é para cumprir ordens ou ser admoestada. Só os dois colegas de sala se dirigem eventualmente a ela, fazendo sempre com que ela se conforme ao figurino esperado: servir, pedir desculpas e ficar quieta.

Um bom acerto do roteiro é enfatizar a ausência frequente do chefe ou sua presença apenas insinuada no extra-quadro. Isso ajuda a compor a figura do predador evasivo, que usa o staff para exercer seu poder.

Em contrapartida, há elementos que causam estranheza, quando não comprometem bastante a proposta denunciatória do filme. Para começar, o clima hostil, meio conspiratório e em geral silencioso não condiz com a ideia que se tem de uma produtora de cinema independente em Nova York, mesmo que ali não seja o setor de criação.

Mais estranhas ainda são as atitudes de Jane. Ela engole em seco o tempo todo e, em dado momento do dia, procura outro chefe de departamento para denunciar o seu chefe por se aproveitar de candidatas a atriz ou a assistente. A cena é muito boa, especialmente pela forma como o homem encurrala Jane até mandá-la enfiar a viola no saco. Mas o efeito é desastroso para a personagem, passando a impressão de que ela estava preocupada com um ameaça ao seu posto, ou mesmo que tinha uma obsessão pelo chefe a ponto de sentir ciúme das mulheres que ele assediava. A contenção dela, sob uma capa de obscuridade, chega a irritar e deixar dúvidas sobre o que a movia, afinal de contas.

Em filme dirigido por uma mulher, Kitty Green, essa dose de ambiguidade soa desconcertante. De resto, A Assistente me pareceu frio, propositalmente burocrático e um pouco aborrecido.

>> A Assistente está nas plataformas AppleTV, Amazon Prime, Google Play e Youtube on demand

2 comentários sobre “Uma assistente muito estranha

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