O rosto da nova Argélia

NARDJES A. no streaming

Em 8 de março de 2019, Karim Aïnouz estava em Argel, terra de seus ascendentes. Chegou lá pela primeira vez com a intenção de fazer um filme sobre suas origens. Mas aquele 8 de março era uma sexta-feira, dia do hirak semanal, movimento popular que se levantou contra a perpetuação do então presidente Abdelaziz Bouteflika no poder, já por 20 anos. Era também Dia Internacional da Mulher. Karim havia conhecido Nardjes Asli, jovem autora de teatro e ativista apaixonada do hirak. Ela o fez mudar o rumo do filme, que passou a ser Nardjes A.

Moderna, bonita e cheia de vitalidade, Nardjes se maquiou para sair às ruas e engrossar a multidão. Karim a seguiu da manhã à noite, filmando-a com celulares. Este é um filme sobre a massa e também sobre a consciência de uma única mulher. Por isso volta e meia o rumor coletivo dos protestos reflui para dar lugar ao fluxo de pensamentos de Nardjes.

Como tantos jovens argelinos naquela marcha, ela não abdica da alegria e da esperança como formas de resistência. Há um sentimento bem árabe na forma como os jovens de Argel se manifestam, com muito canto, danças, gestos e sorrisos largos. Em dado momento, a passeata estaciona para as preces islâmicas no meio da rua. Um rapaz tem o cuidado de recolher o lixo deixado por seus companheiros.

A juventude se rebela efusivamente contra “a velha Argélia”, representada agora pelos antigos heróis da revolução de 1962 que afundaram em corrupção, autoritarismo e hegemonia no poder. Aos 82 anos, Bouteflika concorria ao quinto mandato consecutivo, ao qual renunciaria por força dos protestos. Os avós de Nardjes foram revolucionários, seu pai era comunista, mas seus ideais foram traídos pelos libertadores que se tornaram opressores.

Karim segue Nardjes obsessivamente como indivíduo e, ao mesmo tempo, como eixo de interação com o coletivo. Registra seus contatos com os pais e amigos antes, durante e depois da longa jornada daquele dia. Ela não é uma heroína, nem mesmo uma personagem exemplar de filme político. Por ser alguém relativamente comum, oferece uma metonímia instantânea da luta popular contemporânea. O que a anima é uma incansável perspectiva de futuro. Feliz de Nardjes Asli, que, apesar de tudo, ainda tem isso.

>> Nardjes A. está nas plataformas Now, Vivo Play, Oi Play, iTunes, Apple TV, Google Play e Looke.

Um comentário sobre “O rosto da nova Argélia

  1. Pingback: A terra onde todos se chamam Aïnouz | carmattos

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s