PELÉ na Netflix
Pepe, Brito, Dorval, Zagallo, Coutinho, Amarildo, Jairzinho, Rivellino, Paulo César Caju. Esse super time reaparece diante das câmeras, no outono da terceira idade, para tabelar com o rei no documentário Pelé, que estreou esta semana na Netflix. O filme é dirigido pelos ingleses Ben Nicholas e David Tryhorn, em coprodução do famoso documentarista Kevin MacDonald com a brasileira Saraguina Filmes. O tom é de louvor ao desportista mais famoso do mundo, que aos 80 anos aparece simplório como sempre, batucando numa caixinha de engraxate e apoiado por um andador ou uma cadeira de rodas.
Da infância em Três Corações à ida para o Cosmos de Nova York nos anos 1970, vida e carreira são narradas com ênfase nos gols maravilhosos, nas vitórias exemplares e nos percalços que prejudicaram sua participação nas Copas de 1962 e 1966. Citam-se também o sucesso da grife publicitária Pelé e a infelicidade no casamento com Rose Cholbi, mas nada sobre outros relacionamentos, nem sobre suas filhas fora do casamento, tema delicado no seu currículo pessoal. A participação como ministro dos Esportes no governo FHC e o cargo de embaixador da Unesco tampouco são mencionados.
Entre as muitas imagens de arquivo de alta qualidade reunidas pelos pesquisadores Antonio Vanancio e Dean Walsh, uma diz muito sobre a celebração mundial de Pelé. Em evento social da Copa de 1966, ele está cercado de gente enquanto Garrincha passa por trás sem ser percebido.
Pelé se mostra o homem emotivo de sempre, chorando no passado e no presente. É uma espécie de ícone do brasileiro médio, que se julga inocente politicamente e não reconhece o lugar da política em sua vida. Nesse aspecto residem as maiores originalidade e ousadia do documentário. O uso de sua imagem pela ditadura militar é claramente exposto, assim como as pressões exercidas pelo governo Médici para que ele voltasse à Seleção em 1970. Uma imagem oposta à do engajado Muhammad Ali, como os diretores fazem questão de frisar.
Em nenhum outro filme Pelé foi diretamente inquirido sobre sua proximidade com o regime militar. Ele assegura que, pessoalmente, nada mudou a partir de 1964. Sobre a repressão e as torturas pós-1968, sai pela tangente dizendo que não sabia se o que ouvia era verdade ou mentira. Nada, porém, soa tão cínico quanto Fernando Henrique Cardoso afirmando que “Pelé não prestava atenção em política, mas naquilo que era essencial para o povo: o cotidiano da vida”.
Juca Kfouri faz contorcionismos para defender a “isenção” política do amigo. Gilberto Gil o elege “símbolo da emancipação brasileira”. Benedita da Silva elogia “a imagem mais promissora que tínhamos de um menino negro pobre”.
De todas as declarações vistosas colhidas por Nicholas e Tryhorn, talvez a mais verdadeira seja do próprio Pelé, uma frase característica de quem carregou na vida a responsabilidade de brilhar por uma país inteiro: “A melhor coisa de uma vitória não é o prêmio, mas o alívio”.