Não é fácil argumentar com José Padilha, assim como não é fácil argumentar com Beto Nascimento. Os dois falam muito e falam alto na nossa cara, sem deixar tempo para pensar e responder. Tropa de Elite 2 é uma saraivada de argumentações coladas uma na outra, sem margem para o espectador tirar suas conclusões. A continuação tem sido recebida como algo superior ao primeiro, seja pelo lado técnico, seja por uma suposta dialética das forças políticas em jogo. Tenho lá minhas dúvidas quanto a esse segundo aspecto.
Padilha e seus corroteiristas deixaram poucas brechas para uma discussão real. A polêmica sobre o filme anterior foi absorvida em diálogos e referências do segundo (as acusações de fascismo, o achincalhe dos direitos humanos, a premiação pelo júri de Berlim presidido por Costa-Gavras). Tropa 2, portanto, encarrega-se de acertar contas com Tropa 1 mediante uma transferência de culpa para ”o sistema” – ou seja, a mescla amorfa de bandidos, policiais corruptos, milicianos sádicos, apresentadores demagogos, políticos oportunistas, jornalistas ingênuos e opinião pública sedenta de vingança. Sem falar no próprio Fraga, meio-herói que indiretamente carrega várias mortes em suas costas. Tirando mulheres e crianças, poucos ficam de fora do raio de tiro do Capitão Padilha.
Tropa 2 é um filme de franco-atirador. Vê a violência como algo inerente à paisagem urbana. “Tá tudo errado”, diz a música que fecha a trilha do filme, como se quisesse resumir o diagnóstico. Resta a catarse de ver mortos em muito sangue os que tinham de morrer. Dá pra sair aliviado do cinema, mesmo sabendo-se que “tudo está errado”.
A discussão sobre se Nascimento é herói, anti-herói ou vilão perde sentido diante do fato de que ele é o eixo de identificação do filme. Sua narração em primeira pessoa se confunde com uma narração onisciente, de tanto que se cola à enunciação dos fatos da trama. Nascimento e seu núcleo familiar são os pontos de referência humanos do filme, os espaços de crise real, enquanto todo o resto são emblemas de um sistema corrompido ou culpado. É fácil, então, propor ao público a equação de brutalidade x degeneração. Entre uma e outra, com qual fica o espectador?
Na aparência, Tropa de Elite 2 é complexo e matizado. Os personagens encarnam níveis variados de envolvimento moral no quadro de um Rio de Janeiro apodrecido de alto a baixo. Mas na verdade o que propõe o filme é encurralar o espectador para uma opção radical: limpeza geral da nação. Detonar tudo isso que está aí. Afinal, onde “tudo está errado”, não há lei nem consciência social que dê jeito.
Nota: Para uma leitura mais aprofundada do filme, confira o texto de Leandro Calbente sobre Tropa de Elite 2, o moralismo e o estado de exceção.
Vi o filme logo que estreou no Odeon, um cinema bem popular sob todos os aspectos (preço de entrada menor, frequentadores de várias classes sociais e econômicas e com variados graus de informação e de escolaridade). A plateia aplaudia maciça e delirantemente as primeiras frases do Nascimento sobre o personagem que defende direitos humanos, chamando-o de “esuqerdinha” e outros termos – diagnos “piores” e com conotação pejorativa. Assim como aplaudiam muito o apresentador de TV na linha do “bandido bom é bandido morto”. Crítica no desenvolvimento? Reflexão sobre as questões lançadas a torto e a direito? Uma “virada” do Nascimento unido ao Fraga na cena final em trâmites “legais” em vez de justiçamento pelas próprias mãos? Não sei se conta o final, me relação ao iníco e maior parte do filme, não sei se mudou a “mensagem” – acho que continua sendo a mesma do “Tropa 1”. Quando leio que os realizadores estranham que o filme anterior tenha sido entendido como “fascista”, volto a pensar, que, ao contrário dos elogios feitos a ambos os filmes como “bom cinema” (na verdade, na linha do que é tido como “bom” em filmes de ação com produção caprichada) ambos os filmes não teriam conseguido passar bem as ideias dos realizadores. Ou muita gente se enganou, ou a mensagem era essa mesma e os realizadores estão bancando os bobos…ou nos fazendo de bobos…