Chama atenção o escopo da Mostra John Ford, que está abrindo hoje no CCBB-Rio e ainda não saiu de cartaz nos congêneres de São Paulo e Brasília. Quase um mês de programação, 36 filmes (todos em película e alguns em cópias restauradas), um curso com professores de calibre excepcional, um livro-catálogo de 431 páginas. E ainda o famoso doc Directed by John Ford, de Peter Bogdanovich.
Os números precisam ser mesmo superlativos para fazer mínima justiça à obra de um dos pais do cinema americano. E olha que a filmografia de John Augustine Feeney (este seu nome de batismo) encampa 138 filmes, entre longas de ficção, curtas e docs. Em 1983, a Cinemateca Portuguesa conseguiu reunir 88 deles. De qualquer forma, a mostra do CCBB é a maior já realizada no Brasil.
Houve um tempo em que os críticos e cinéfilos brasileiros se dividiam entre “fordianos” e “afrancesados”. Era no início dos anos 1960, quando Moniz Vianna dava as cartas no pensamento cinematográfico nativo. Os “fordianos”, em uma palavra, eram os que tinham caráter. Numa coluna do Correio da Manhã em agosto de 60, ele fez uma espécie de manifesto dos “fordeanos” (esta a sua grafia preferida): “Os ‘fordeanos’ lideram um movimento que visa a restituir ao cinema a sua verdadeira dignidade, no momento tão ameaçada por um complexo de causas que vão do ‘actor’s studio’ às planejadas ‘audácias’ de nouvelle vague e dos ‘intelectualismos’ de uns tantos diretores. Os fordeanos sabem onde está o cinema”.
Essa dicotomia ficou para trás enquanto os filmes do velho conservador se tornavam eternos. Muito da transparência do cinema clássico americano mirou-se na maneira de Ford filmar em total continuidade de movimentos. Reza uma das muitas lendas a seu respeito que ele não dava trabalho para os montadores. Tudo era “montado” já no momento da filmagem, dentro da câmera, sem sobras nem variações para serem decididas na moviola. O montador Robert Parrish contava a bronca que levou de Ford ao tentar montar uma sequência de Ao Rufar dos Tambores. “Você só tem que pegar os planos em que digo ‘Ação!’, os planos em que digo ‘Corta!’ e juntá-los uns a seguir dos outros. Se não souber fazer isso, melhor procurar outra profissão”.
A clareza e a solidez do cinema de John Ford vêm dessa convicção, que ele ostentou olimpicamente ao longo de 60 anos de carreira.
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