Festival do Rio
Contempla-me ou te devoro
Mekong Hotel é mais uma prova do que Apichatpong Weerasethakul melhor sabe fazer: jogar o espectador numa zona de instabilidade sobre a natureza do que vê na tela. Nesse curtíssimo longa de 60 minutos, a instabilidade é mais radicalizada do que em trabalhos como Tio Boonmee, Mal do Século, etc. A começar pela dúvida: estamos diante de um filme pronto ou de uma ruminação sobre um projeto não realizado (um certo Ecstasy Garden)?
Um casal de namorados troca ideias numa varanda sobre o rio Mekong. Num dos quartos, a moça conversa com sua mãe vampira e eventualmente tem seus intestinos devorados por ela. Em outro terraço, o próprio diretor ensaia com o violonista Chai Bhatana o que vem a ser a trilha sonora onipresente do filme. A não-narrativa caminha de um bloco para o outro, mas também deixando que eles se misturem aleatoriamente.
Instabilidade entre o mundo real (a enchente que ocorreu na Tailândia no ano passado, as referências a refugiados do vizinho Laos) e o sobrenatural dos fantasmas que ocupam corpos alheios e possibilitam reencarnações de homens em animais. Instabilidade nos atores que olham para a câmera como num ensaio preliminar. Ou nas ações que são mencionadas mas não se sabe se pertencem a esse filme ou a outro projeto do diretor. Ou ainda: estamos vendo um filme com trilha sonora ou um concerto de violão com trilha imagética?
Weerasethakul tece sua fabulação com uma costura tênue, despretensiosa em termos de relato e estética, mas com um rigor que favorece a contemplação em lugar da decifração, como aliás fazem os personagens. O longo plano final dos jet skis desenhando formas indecifráveis sobre a tona do Mekong parece nos aconselhar: contempla-me ou te devoro.