Depois de ver A VISITANTE FRANCESA, me deu vontade de rever – e quem sabe reavaliar – o HA HA HA, que não consegui apreciar quando vi. Esse novo filme do Hong Sang-Soo é uma joia que parece o encontro de Eric Rohmer com Elia Suleiman, se é que dá pra imaginar isso. Uma comédia de equívocos que se resolve inteiramente nos desvãos da linguagem, da comunicação, dos idiomas estrangeiros e da pura elaboração ficcional. Variações em torno de uma Isabelle Huppert que se desdobra em três personagens diferentes, com toda a mistura de sutileza e firmeza típicas dessa enorme atriz. Amores rascunhados pela imaginação de uma jovem roteirista e inspirados pela atração entre coreanos e europeus. A despretensão formal de Sang-Soo aqui é uma fórmula mágica para chegar a um humor ao mesmo tempo delicado e irresistível. Biscoito fino com gengibre.
THÉRÈSE D., de Claude Miller, é um filme burocrático. As cenas se sucedem como uma troca de memorandos, com a agravante de algumas incongruências graves, como o miscast de Audrey Tatou no papel de uma moça de 20 e poucos anos e o salto de tamanho da filha no espaço de um ano. Burocrático também na maneira como encaminha a questão social do romance de François Mauriac. As convenções familiares e a insatisfação de Thérèse são vácuos dramáticos que precisam sobreviver apenas da letra das falas. Não há propriamente emoções em jogo, a não ser na personagem da cunhada Anne. Mas aí vem um dado interessante. Esse aspecto burocrático contamina de tal maneira todos os aspectos do filme que acaba se justificando de certa forma. As interpretações contidas, o estilo cool de Miller e as elipses do roteiro determinam uma frieza distanciada. Assim como se a intenção fosse mesmo transpor a história sem nenhum comentário sentimental, nenhuma ênfase, nenhum apelo. No fundo, é a trajetória fria de uma psicopata travestida de Madame Bovary.
Do ponto de vista da produção, UMA HISTÓRIA DE AMOR E FÚRIA é uma façanha. Produzir e lançar um longa de animação no Brasil é tarefa para super-heróis e pode durar 600 anos, como a vida do personagem central de Luiz Bolognesi. O filme é vistoso, tem um desenho clássico até meio antiquado, no estilo de Hayao Miyazaki, e faz o dever de casa direitinho contando a história dos heróis derrotados, desde o Brasil recém-descoberto até o futuro distópico de 2096. Esse episódio de antecipação é o mais sugestivo como hipótese e sem dúvida o mais interessante como concepção visual. Mas, convenhamos, para uma animação “adulta” a coisa toda soa um tanto naif. A história de amor não se amolda com naturalidade aos diversos contextos históricos e fica parecendo uma muleta dramatúrgica precária. A ênfase na narração em primeira pessoa e a escassez de diálogos leva a uma certa monotonia na enunciação. Também achei que há um estardalhaço sonoro excessivo. Em volume muito alto, chega a cansar e dispersar. Ou seja, muita fúria e pouco amor. Ainda assim, ouso dizer que nada até hoje foi tão ambicioso em matéria de animação brasileira. Um marco, de qualquer maneira.
ANGIE é um estranho projeto de imitação de filme independente americano sobre recomposição familiar. A bonitinha e insossa Camila Belle mora isolada numa barraca no mato do Arizona, mas está sempre com a maquiagem e o figurino em dia e produz telas de arte contemporânea dignas de boas galerias. As incongruências não importam, pois a menina está em busca do amor. Seu caminho vai se cruzar, por coincidências e acasos inimagináveis, com Andy Garcia, Juliette Lewis e Colin Egglesfield. Vale tudo para inserir um ator com valor de produção e um merchandising descarado como nas novelas. Vale tudo para emular um modelito anacrônico de road movie água com açúcar e colocar o filme numa suposta faixa de “B.O. chic”. Um filme estranho, muito estranho…