Ao contrário de “O Cheiro do Ralo”, que flertava com a comédia negra, o original de Lourenço Mutarelli em QUANDO EU ERA VIVO mereceu de Marco Dutra um tratamento de thriller psicológico naturalista, com tinturas de fantástico e apenas breves insights de pretenso humor. Característica desse gênero é a necessidade de uma base “natural” de onde brotem os elementos estranhos ou sobrenaturais. Isso falta ao filme. Somos tragados desde as primeiras cenas para uma atmosfera supostamente inquietante, que se desdobra numa sucessão meio cansativa de signos do filme de suspense: gritos, sons estranhos, luzes piscando, coisas movendo-se sozinhas, objetos antigos retirados de cantos, olhares suspeitos. É como se os traços identificadores do gênero fossem mais importantes do que a trama em si, aliás um comportamento comum do novo cinema de gênero brasileiro (vide as comédias cariocas e os horrores sangrentos do Paraná). O desenho sonoro, bastante enfático, telegrafa tudo, enquanto a encenação – bem realizada do ponto de vista artesanal – perde eficácia ao transmitir intencionalidades demais. Esse estilo ao mesmo tempo solene e lacônico, presente também em “Trabalhar Cansa” e ditado aqui sobretudo pela atuação de Marat Descartes, resfria o filme e o torna bastante arrastado na segunda metade. A mim pelo menos, QUANDO EU ERA VIVO não inquietou nem provocou qualquer tensão.
TODOS OS DIAS me pareceu um pouco mais banal do que eu esperava. Essa banalidade – cotidiana, ordinária – está referida, aliás, no título original, Everyday, aqui “traduzido” como se fosse Every Day. A intenção de abolir ou esconder em elipes qualquer grande acontecimento, frequentemente frustrando as expectativas melodramáticas do público, é constitutivo do roteiro do filme. As cenas se repartem entre o cotidiano da família e os encontros com o pai presidiário. Os blocos são entremeados por planos-almofada do campo inglês com música melosa e excessiva de Michael Nyman (dos primeiros filmes de Peter Greenaway). A trama é levada em fogo brando, com muito tempo para estabelecer as rotinas (everyday) e uma narrativa que lembra a estrutura dos álbuns de família: fotos-lembranças de momentos felizes ou corriqueiros. O fato de Karen manter um caso com um amigo durante a ausência do marido contribui para reafirmar a força da normalidade cotidiana na família. Michael Winterbottom é hábil na construção dessas ficções roubadas à realidade. “Everyday” foi rodado em semanas de dezembro ao longo de cinco anos, acompanhando o crescimento e a interação das quatro crianças (irmãos de verdade), mas sem ostentar isso como um adereço documental. O ator que faz o pai é quase um sósia de Winterbottom. O filme é um tanto dispersivo, mas acaba tocando nosso coração pela poética das coisas comuns.
A gente já viu tudo o que acontece em ALABAMA MONROE, mas com muito menos música country. Trata-se de um misto de filme-show e drama familiar com casal descoladinho que, a partir da doença da filha, vê seu casamento degringolar. A tatuadora-cantora é um mística sentimental; o cantor é um materialista militante. Essas diferenças de concepção de mundo entre os dois precipitam os acontecimentos de uma forma tão gratuita quanto a entrada das canções (algumas bem boas) e tatuagens para marcar os sentimentos. Para entender por que os eleitores indicaram esse filme para concorrer ao Oscar de filme estrangeiro (no lugar, por exemplo, do infinitamente superior “O Som ao Redor”), será preciso considerar a overdose de música bluegrass americana, o gosto pelo melodrama hospitalar, as semelhanças com a dramaturgia americana do gênero e até do ator Johan Heldenbergh (autor da peça original) com o Kris Kristopherson. No início, dá para engolir como “filme fofo”, dada a boa química de Johan com a atriz-cantora Veerle Baetens. Mas à medida que o filme avança em sua cronologia artificiosamente não linear, as coisas vão ficando cada vez mais “paradas” e supostamente lacrimosas – com direito à intervenção de um fantasma para reforçar o ponto de vista espiritualizado da moça. Superestimado, esse é para mim o “Indomável Sonhadora” da temporada.
O “momento Chico Xavier” do filme “Alabama Monroe” era a pá de cal que (nem) faltava para enterrar de vez o filminho.