SR. KAPLAN funciona bem quando assume ares de comédia. Afinal, ter um idoso pacato e um ex-policial trapalhão reunidos na caça a um ex-nazista, ecoando mais Dom Quixote e Sancho Pança do que Simon Wiesenthal, é um belo argumento cômico. O diretor uruguaio Álvaro Brechner explora isso bem, mas não se permite fazer exatamente uma comédia. Quer ser dramático também e falar sobre harmonia familiar, recuperação da dignidade e questionamento de convicções arraigadas. Aí SR. KAPLAN deixa à mostra uma grande fragilidade por tratar todos os seus personagens como estereótipos de fraqueza humana recoberta por bons sentimentos. O saldo desse balanço é um filme que, embora simpático, força um pouco a passagem por entre perdas de força, quebras de ritmo e fissuras na credibilidade. Não é estranho ao filão atual dos filmes de positivação da terceira idade, em que as potências da vontade não se curvam à debilidade do corpo.
A HISTÓRIA DA ETERNIDADE, longa vencedor do Festival de Paulínia, não bateu muito bem na minha sensibilidade. Compreendo que Camilo Cavalcante quis lidar com ingredientes icônicos da mística sertaneja, além de um conservadorismo que reprime os desejos e semeia a morte. São três histórias afetivas passadas num povoado remoto do agreste. Cada uma tem sua excentricidade: um sanfoneiro cego (de nome Aderaldo!) corteja uma mulher triste e solitária; uma menina se sente atraída pelo tio que tem alma de artista; uma mulher madura recebe a visita da tentação ao hospedar um neto vindo de São Paulo. Numa linha bem diferente dos modernos cineastas que fazem hoje a fama de Recife, Camilo trabalha com o rural, o arcaico e o telúrico. Seu estilo também é peculiar, baseado numa certa solenidade que parece carregar o peso de um tempo muito antigo. Há imagens bem bonitas nesse longa, assim como uma trilha sonora faustosa de Zbignew Preisner (o compositor preferido de Kieslowski) e Dominguinhos. Mas algumas coisas me pareceram fora de lugar, seja nas performances estapafúrdias do personagem de Irandhir Santos, seja no lugar-comum do “pai nordestino autoritário” ou no desenvolvimento de Das Dores, a avó. A suposta ousadia na construção desses personagens toca por vezes a fronteira da cafonice e da má teatralidade.
AU FIL D’ARIANE são as férias de Robert Guédiguian. O cineasta politizado e humanista de Marselha se permite fazer “uma fantasia” inteiramente devotada a sua mulher e atriz perene, Ariane Ascaride. Na mitologia grega, Ariadne instrui Teseu a desenrolar um novelo para saber retornar do labirinto do Minotauro. No filme, Ariane se vê negligenciada por sua família no dia do seu aniversário e parte sozinha rumo à região do porto de Marselha. Vai parar num café turístico, onde interage com diversos personagens simpáticos e levemente excêntricos. Em ritmo de aventura, vai encontrar um romance, uma causa, a realização de um velho sonho e até uma tartaruga falante com que pode trocar ideias. É tudo estranhamente ingênuo e bastante inconsistente. Guédiguian encontra um pretexto para renegar qualquer compromisso realista e brincar com referências diversas, como as canções dos engajados Jean Ferrat e Kurt Weill, e o cinema de Fellini (Ariane lembra personagens de Giulietta Masina e há uma citação explícita da Fontana de Trevi de “A Doce Vida”). A finalização da imagem carrega nos tons amarelos e a direção de arte complementa com azuis e vermelhos de sonho infantil. Uma mensagem libertária muito cândida perfuma essa recreação antes que a cena final devolva personagens e espectadores à trivialidade da vida.
Nicolas Philibert tem em NÉNETTE (2010) o seu longa mais experimental. Para filmar a fêmea orangotango de 40 anos, principal atração do zoológico do Museu de História Natural de Paris, ele adotou uma perspectiva radical. Assim como as pessoas vão ao zoo observar Nénette, e dela não tiram os olhos, Philibert apontou a câmera para a jaula envidraçada e não mostrou nada além de sua estrela e os parentes e semelhantes com que ela divide o espaço. Resulta uma observação intimista do cotidiano ocioso ou brincalhão dos macacos. Nénette especialmente, em sua pachorra de 40 anos (hoje está com 45), retribui o nosso olhar com um ar de tédio e indiferença, típico de quem se sabe olhada diariamente por centenas de pessoas desde os três anos de idade. Os seres humanos – tratadores, visitantes, um desenhista – entram no filme apenas em falas fora de quadro, quando muito em reflexos nos vidros. Vítima de sua raridade, Nénette personifica melancolicamente o desterro confortável dos animais retirados do seu habitat natural para se tornarem atrações urbanas. Na foto, o diretor e sua estrela.
Também não captei tanta excelência em A História da Eternidade (título presunçoso em relação ao qual o filme não dá conta). Especialmente ruim a história da avó, muito mal encaminhada. A trilha do Preisner e os solos de acordeon do Dominguinhos são a melhor coisa do filme. Mas com roteiro melhor, o diretor me parece merecer algum crédito. Só não sei se ele vai querer outro roteirista que não ele mesmo…