ÉTV: Na Estrada com Sócrates

A honestidade política de Daniel Cohn-Bendit merecia um prêmio especial do É Tudo Verdade. Velho admirador do Brasil e do futebol, o antigo Dani Le Rouge, que hoje se define como “social-ecologista”, passou a Copa do Mundo de 2014 percorrendo o país numa van decorada (por um grafiteiro de favela carioca) em homenagem ao jogador Sócrates (1954-2011), seu amigo desde os tempos da Democracia Corinthiana, nos anos 1980. Queria investigar áreas de intercessão do futebol com a política no Brasil contemporâneo, assim como captar o sentimento dos brasileiros depois de 12 anos de governo do PT.

Ele não esconde que veio com algumas ideias preconcebidas, alimentadas pelas manifestações de 2013, e uma impressão de desapontamento pela experiência esquerdista vivida no país. Com ele ao volante, seu road-movie sai do Rio em direção a São Paulo, vai a Brasília e à Bahia antes de retornar ao ponto de partida. No trajeto, junta-se ao povo nos sofrimentos de cada jogo do Brasil e colhe depoimentos que não confirmam unanimemente a sua pauta inicial. A indignação de muitos contra a submissão do Brasil ao padrão Fifa comprova que política e futebol nunca deixaram de bater bola em algum nível. Mas o balanço das conversas vai fazer Dani reavaliar suas suspeitas diante da complexidade do que encontra. Em lugar do caos previsto pelos jornais europeus, ele vê uma Copa impecável e uma nação praticamente inteira torcendo por sua seleção.

Dani ouve tanto as ponderações de Juca Kfouri sobre a “crise do sucesso” que explica os protestos de 2013 quanto a militante do MST que afirma dedicar sua vida ao socialismo. Recebe uma aula de Gilberto Gil sobre “as várias realidades simultâneas” e encara os maus bofes de um pai de santo baiano que torcia pela Alemanha para fazer “o povo acordar”. Deixa transparecer certa decepção com Alfredo Sirkis, o guevariano de antes, defendendo o pragmatismo dentro do terno de deputado. Sai em busca do menino guarani que estampou uma faixa pedindo demarcação na festa de abertura da Copa e teve sua imagem censurada pela Fifa. Testemunha embaraçosas interações de Gil com populares nas ruas de Salvador a caminho do Farol da Barra, onde vai cantar Meio de Campo para Dani ouvir.

Existe ali, enfim, um caleidoscópio de impressões que emociona o velho combatente e, para nós, sintetiza todo um estado de coisas através do poder de síntese do olhar estrangeiro. Que ele conclua sua viagem mais esclarecido sobre as pequenas utopias cotidianas que mobilizam os brasileiros, em substituição da grande utopia revolucionária de 1968, é prova de que chegou aberto para compreender de fato. A simpatia de sua abordagem é muito bem servida pelos diretores Niko Apel e Ludi Boeken. Eles fizeram uma sugestiva captação de detalhes e souberam minimizar os episódios menos produtivos. A meu ver, nossas contradições e impasses estão bem representados. ♦ ♦ ♦ ♦

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