Fenômeno local ou nacional? Coisa provinciana ou de cidade grande? Um movimento ou uma fraude? São perguntas com muitas respostas diferentes que o filme de Boca Migotto nos coloca a respeito da explosão cultural jovem da Porto Alegre dos anos 1970 e 80. Bom Fim é o bairro onde tudo acontecia. A cena se espalhava dos botecos, lancherias, bares de rock e cinemas de arte para o meio da rua. Ali nasceram filmes como Deu pra Ti, Anos 70 e Verdes Anos; bandas como Replicantes, De Falla, Engenheiros do Hawaii e Camisa de Vênus; e grupos de teatro como o Vende-se Sonhos.
O filme faz esse levantamento junto a remanescentes e testemunhas daquela efervescência, ilustrando tudo com materiais de arquivo e cenas de filmes, todos eles ficções marcadas por um forte desejo de plasmar o espírito da época e dos lugares. Carlos Gerbase, Jorge Furtado, Nelson Nadotti, Giba Assis Brasil, Ana Luiza Azevedo (os dois na foto acima), Werner Schünemann, Otto Guerra e Beto Souza são os principais nomes da turma do cinema e do vídeo presentes no “elenco”. Mas o documentário recolhe também os ecos do rock e do punk, dos programas de TV alternativo, da contracultura, das drogas, da militância estudantil e das primeiras manifestações públicas de diversidade sexual numa cidade basicamente conservadora.
Depois que os moradores estrilaram e a repressão baixou nas ruas, nos anos 90, o Bom Fim aos poucos se transformou no bairro careta e organizado de hoje. A nostalgia dominante entre os entrevistados só é destoada pelo sempre irreverente Eduardo Bueno.
Filme sobre um Bom Fim é uma espécie de A Farra do Circo sulino. Não estruturalmente, pois, ao contrário do filme de Berliner e Bronz, tem as cenas de arquivo como ferramenta apenas ilustrativa do que é narrado em talking heads. Mas sim pelo resgate de um momento refundador no panorama cultural de uma cidade, com ressonâncias que se perderam na grande dispersão e relativa timidez da cultura contemporânea. ♦ ♦ ♦