Questões americanas embaladas como pipoca

Sobre os filmes ESTRELAS ALÉM DO TEMPO e A QUALQUER CUSTO

Depois dos protestos do ano passado contra a ausência de negros nas indicações do Oscar, os votantes este ano resolveram se redimir com uma enxurrada de filmes sobre a questão racial e pelo menos um concorrente afro-americano nas categorias de direção e interpretação. ESTRELAS ALÉM DO TEMPO (“Hidden Figures”) concorre a melhor filme, roteiro adaptado e atriz coadjuvante (Octavia Spencer). Como muitos outros indicados, é apenas um filme médio supervalorizado. Romantiza bastante a história de três amigas, funcionárias da NASA, que se destacaram no questionamento do apartheid no estado de Virgínia, em 1961/62.

A corrida espacial era então um clube do Bolinha, fechado para mulheres e para negros. Nossas amigas trabalhavam segregadas no setor “Colored Computers”, digitando equações complicadíssimas em suas máquinas calculadoras. A IBM chegava com os primeiros computadores gigantes e a intenção de substituir a mão de obra humana. O filme narra, em fórmula um tanto recorrente, a maneira como cada uma das três causou espanto, enfrentou obstáculos e, à base de competência e obstinação, conquistou um lugar ao sol na história da engenharia aeroespacial. No fundo, é mais uma variação da maratona americana “em busca dos seus sonhos”.

Como transformar um assunto árido em filme de entretenimento e exaltação? Peguem-se personagens naturalmente simpáticas, criem-se pausas para cenas cômicas e canções “pra cima”, use-se uma montagem gostosamente fluente (esta, sim, merecedora de uma indicação) e deixe-se de lado tudo o que possa perturbar a narrativa ascensional (como os inúmeros fracassos técnicos que abalaram o programa espacial americano naquela época). Resultado: um espetáculo apenas agradável, sanitizado e embalado para consumo vespertino.



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Os méritos que a crítica americana e alguns colegas brasileiros atribuem a A QUALQUER CUSTO, indicado para quatro Oscars incluindo melhor filme, me escaparam completamente. Talvez eu não esteja bem sintonizado com os ecos do western que chegam até esse Texas acabrunhado pela recente crise econômica. A expropriação dos índios pelos brancos de outrora se reedita agora com os rancheiros brancos como vítimas de banqueiros e especuladores financeiros. Sobre esse pano de fundo razoavelmente interessante, dois irmãos fazem uma série de assaltos a banco para saldar a hipoteca de um rancho da família e dois policiais tentam identificá-los e capturá-los.

Mais aborrecido que um buddy movie aborrecido é um buddy movie aborrecido ao quadrado. As duas duplas se alternam na tela por mais de 90 minutos, fazendo poses de texanos zangados e trocando falas pretensamente irônicas, antes que a ação se concentre para o inevitável confronto final. Jeff Bridges, como o Texas Ranger à beira da aposentadoria, faz o serviço habitual de carisma e non chalance. Mas isso é muito pouco para nos fazer atravessar aquele deserto de ideias requentadas, clichês caipiras e toques de comédia mais frios do que bacon frito há dois dias.

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